O Paraoano surgiu
a partir das serenatas nas ruas do bairro do Godinho, na década
de 60. Antônio Carlos Mascarenhas, o já falecido fundador
do grupo, era fã de sair pelas ruas tocando violão,
e nisso conheceu várias pessoas com a mesma mania. Entre
elas Haroldo e Hamilton, que viriam a fundar Os Corujas. Um dia,
no carnaval de 1963, os três saíram tocando pelas ruas
do centro. Antônio Carlos gostou e resolveu repetir a dose.
Ele, já com o trio Xangô, teve a idéia
de ir pra rua de novo e, por volta de outubro, começou a
reunir pessoas e ensaiar, conta Chico Mascarenhas, irmão
de Antônio Carlos. Na época, lembra ele as músicas
de carnaval - marchinhas, sambas e frevos - eram lançadas
em setembro ou outubro. Tudo vindo do Rio. Eles achavam o
repertório era muito restrito e resolveram engorda-lo.
Nessa engorda entraram músicas do cancioneiro popular e outras
que eram executadas normalmente durante o ano. O grupo ensaiava
na rua, na frente do ginásio do Sesc, próximo ao Aquidabã.
Num desses ensaios, o grupo, na época com nove membros, lembrou
das fantasias. Foi uma coisa improvisada, meio um poncho,
lembra Mascarenhas. Teve quem não gostou do resultado e reclamou.
Alguém disse que para o ano sai melhor e a frase
acabou sendo adotada como nome. O único lugar onde
o nome estava escrito era o prato, que eu tocava. Eu tive que ficar
tocando com o braço pra cima, num esforço danado,
conta ele, na época um menino franzino de catorze anos.
No ano seguinte o grupo começou a tomar forma, começando
a se organizar melhor, se preocupando mais com as fantasias, fazendo
ensaios mais constantes e convidando participantes que se enquadrassem
no perfil do grupo, sabendo tocar e cantar. Os rostos pintados começaram
depois. Onias bolou uma fantasia que era uma túnica
sem manga de duas cores, com uns pompons pendurados e um chapéu
sempre doido, conta Quico. Antônio apareceu com
a cara toda pintada e eu resolvi ir atrás. A primeira
maquiagem do grupo foi uma mistura de pasta Minancora com anilina
teve gente que teve reação alérgica.
Quando eu entrei no grupo, achava que ele sempre tinha saído
de palhaço, diz Chico Ulisses, reconhecendo que a maquiagem
faz parte da identidade do grupo. Tanto que o clown,
que Quico faz questão de distinguir do palhaço de
circo, acompanha o Paraoano mesmo nas apresentações
fora em outras épocas do ano.
Na época em que o carnaval em Salvador ia de Sábado
à Terça, o grupo saia no Domingo e na Terça
de carnaval, nas tardes. A gente ia da Piedade até
o São Bento e voltava, driblando os alto-falantes,
que obrigavam o grupo a fazer um zigue-zague pelas ruas. Chegamos
a pagar alguém para cortar os fios dos alto-falantes no caminho,
ri Mascarenhas.
O grupo experimentou vários horários, hoje se saindo
à meia-noite, por uma questão de conveniência
para os participantes.
Quem
é o Paraoano?
Uma coisa que não salta muito aos olhos, diz
Mascarenhas é que o grupo nunca teve a participação
de mulheres. Elas sempre ficaram de fora. No início,
quando todos eram solteiros, era uma forma de paquerar. Nas acabou
virando tradição. Segundo ele, não há
nenhuma restrição, mas nenhuma mulher até hoje
se candidatou a participar do Paraoano. Não foi nada
expontâneo, acrescenta Quico, defendendo o grupo do
rótulo de Clube do Bolinha.
Além de mulheres, outra raridade no grupo são músicos
profissionais, existindo apenas um, Alex. É o único
que é formado e vive de música, especialista em cordas,
diz Quico. Tem também Tiago, que dirigiu esse disco,
mas ele é estudante ainda. Há pessoas
que fazem parte de outros grupos, diferentes do Paraoano e que tocam
na noite.
O decano é Ferreirinha, com 57 anos, mas há pouco
anos no grupo, tendo entrado se associado pouco tempo antes do caçula
Lucas, de vinte anos.
De
outros carnavais
O Paraoano acompanhou as mudanças do Carnaval, que Ulisses
vê como profissional e setorizado. Os blocos
se tornaram empresas e empresas fortes, diz ele e tomaram
conta do espaço principal da festa. Ele acredita, no
entanto que a tendência é a diversificação:
cada um tem várias opções.
A preocupação do grupo no atual cenário do
Carnaval baiano é manter oferecer uma alternativa ao circuito
principal do carnaval, mantendo suas características de grupo
vocal, com todos cantando. Mascarenhas aponta o surgimento de outros
grupos, como Bloco da Saudade, que partilham essa característica
como um indicativo da receptividade do público.
No início do Paraoano as coisas eram mais fáceis.
O único obstáculos eram os alto-falantes, lembra
Mascarenhas. Havia blocos de sopro e percussão, que
vinham e passavam. Ele acredita que o horário do carnaval,
que na época ia só até meados da tarde, facilitava
que o grupo chamasse mais a atenção. Os trios
e os blocos que surgiram depois tornaram a luta mais desigual.
Salvador
O grupo tem consciência da sua importância na preservação
de, nas palavras de Quico, uma fase extremamente importante
do carnaval da cidade que está acabando. O carnaval que todo
mundo cantava e dançava.
Eles apontam a pasteurização das manifestações
culturais na imprensa como o motivo para o estranhamento que o grupo
causa quando se apresenta em outros estados. Quando fomos
nos apresentar em São Paula, conta Ulisses, as
pessoas achavam estranho sermos da Bahia, por não nos enquadrarmos
no padrão de Axé e blocos afro. Mesmo pessoas
daqui se surpreendem ao saber que o grupo não é nenhuma
novidade, saindo há 38 anos.
O grupo nega o rótulo de saudosista, dizendo que não
há uma preocupação em manter artificialmente
o carnaval antigo, mas sim em manter coisas bonitas e que
tem valor de uma forma que atraia as pessoas.
A cultura de Salvador se formou em isolamento, diz Ulisses,
que está desenvolvendo um trabalho sobre o caminhar na cidade.
Ficamos muito tempo isolados e a cidade permaneceu colonial
até meados do século XX. Foi essa Bahia de Jorge
Amado, Caribé e Pierre Verger que começou a ser vendida
na década de 70, quando essas manifestações
passaram a ser observadas, não vivenciadas. Segundo Quico,
o Paraoano passou por essas modificações inalterado,
mantendo suas características.
E Paraoano
que vem?
O grupo já gravou dois discos, estando trabalhando no terceiro.
O primeiro em 1994, ano da morte do fundador. Já havia
a idéia do disco, mas a morte de Antônio deu o incentivo
para gravar. um trabalho que ele gostaria de ter registrado,
diz Chico Ulisses. Esse primeiro disco foi produzido com recursos
do grupo. E recursos alheios. Vendemos bônus que davam
direito ao disco, quando ele ficasse pronto. Pagavam, mas não
existia o produto, brinca Mascarenhas. Nós apostamos
na crença das pessoas que nos acompanhavam.
Foi marcado um dia para a entrega do disco, que atrasou no transporte.
Seiscentas, das duas mil cópias, chegaram na tarde do lançamento.
Fizemos um mutirão na minha casa, para colocar os encartes,
diz Quico.
A gravação e lançamento do segundo disco foram
mais tranqüilo. Os recursos para a produção vieram
do Fazcultura, programa da Secretaria da Cultura e Turismo, que
financia manifestações culturais e do trabalho do
próprio grupo, que começou a cobrar pelas apresentações
que fazia.
Antes, nós nos apresentávamos pelo tira-gosto
e pela cervejinha. Quando muito o transporte., diz Mascarenhas.
Chegou um momento em que começamos a ter uma postura
um pouco mais próxima do profissionalismo e passamos a cobrar.
Principalmente de pessoas e instituições que têm
condições para isso. A idéia era fritar
o porco com a própria banha, para que o grupo pudesse
cobrir seus próprios gastos.
A demanda pelo grupo foi aumentando, e mais convites surgiram, inclusive
fora do estado. Com isso, criou-se uma nova percepção
do aspecto financeiro da brincadeira. O terceiro disco
foi totalmente financiado com o dinheiro arrecadado pelo próprio
grupo, que hoje consegue até dar uma gratificação
para seus integrantes pelo número de participações.
Acompanhando isso, veio uma exigência por mais disciplina
quanto à freqüência e ensaios, exigindo maior
comprometimento dos membros, que podem até ser desligados
do grupo por falta de participação. Criou-se um regimento
interno, que diz respeito à postura nas apresentações
e à exigência de comparecimento nas reuniões.
Isso veio em função do próprio crescimento
do grupo, justifica Ulisses, que passou a se apresentar
não só na rua e em bares, mas em outros locais.
Entre esses outros locais, está a abertura do congresso anual
da Associação Brasileira de Agentes de Viagens, que
reuniu cerca de vinte mil pessoas no Parque Aeroclube. O grupo também
se apresentou quando Caetano Veloso foi condecorado com a Medalha
Tomé de Souza, em 1995. Na ocasião, o músico
elogiou o grupo e o comparou há um oásis no
carnaval baiano.
Depois do segundo disco, o Paraoano passou a diversificar sua atuação,
que era restrita à época do Carnaval. Durante
muitos anos, só nos reuníamos para ensaiar nas vésperas
do carnaval, lembra Ulisses. O grupo começou a fazer
experiências, há dois anos saindo também no
São João e no Natal, com repertórios adaptados
à época.
O terceiro disco - que deve ser lançado para o São
João de 2002 - é fruto desta diversificação,
sendo um disco de músicas joaninas. Outra diferença
é a participação de convidados especiais, como
os compositores Walter Queirós, Wilson Aragão e Raimundo
Sodré, autores de parte das músicas.
Assim como as músicas tocadas nas ruas, todas as gravações
são paraoanizadas, recebendo um arranjo com a
cara do grupo. Para os discos, o processo vai mais além,
sendo introduzidos elementos que não estão nas ruas,
como o acordeon no caso do disco de São João.
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