Liqüidificador multimídia bate a Bahia
(Luciano Matos e Pérsio Menezes)


Smetak, Caetano Veloso, Pero Vaz de Caminha, As Meninas, irreverência, iconoclastia e uma pitada indigesta de escatologia. Esta forma aplicada sobre os suportes do vídeo, música, teatro e dança deu a tônica de “É Proibido Proibir” (ruptura), apresentada ontem (Sábado, 14/07), no Espaço Lindembergue Cardoso, no Salão Nobre da Reitoria da UFBA. Num mesmo evento (peça?) estavam reunidos, entre outros, a Cia. de Teatro Os Bobos da Corte, o Grupo Tran-Chan de dança, o cineasta Edgard Navarro, a atriz Iami Rebouças e os músicos Pedro Robatto e Heinz Schwebel.

Objetivo do mistura: retratar uma produção cultural baiana diferente da pasteurizada, vendida pela mídia e resgatar o valor de artista agora esquecidos. Produção e artistas, estes importantes justamente porque por quebrar as convenções; daí a palavra ruptura do título. Nas paredes da Reitoria foram projetadas imagens de autoria dos cineastas Glauber Rocha e Edgard Navarro. Bem como fotos dos educadores Edgard Santos e Anísio Teixeira. No campo sonoro, mesclavam-se música erudita com Dodô e Osmar.

Os atores da Cia. de Teatro Os Bobos da Corte entraram no salão já provocando a platéia, questionando o que a Bahia tem de diferente. Ouvia-se de tudo, da claridade que é emanada no estado até os cabelos de seus moradores. O público parecia já sentir que seria uma noite de real ruptura, com uma dançarina, logo em seguida, sapateando em cima da mesa da Reitoria, lugar quase sagrado para a Academia. Antes um Gregório de Mattos, representado pelo ator Wilson Mello, mostrava que passados centenas de anos as críticas à Bahia estão ainda atualizadas. “Antes falar e morrer, do que padecer e calar”, era uma das máximas proferidas.

O que se seguiu foram vários artistas apresentando mostras de que a produção artística na Bahia não é apenas o que a mídia costuma apresentar. Desde a dança do grupo Tran Chan, com modernas coreografias, passando pelos solos de clarineta de Paulo Robatto e de trompete com Helinz Schwebel. Os Bobos da Corte serviam como fio condutor de todo espetáculo, com piadas e tiradas, apresentavam e introduziam cada intervenção.

Não só artistas participaram do evento. A professora Tânia Fischer, da Faculdade de Administração, trazia textos que homenageavam personalidades ilustres da história da UFBA. Nomes como Anísio Teixeira e Edgard Santos, dois dos principais homenageados, que eram lembrados e enaltecidos. Teixeira teve inclusive um minuto de silêncio em respeito a sua morte. Os dois professores representaram a ruptura dentro da educação, seguindo a idéia do evento.

Diversas rupturas culturais provocadas por baianos foram fundamentais para a história do país. Enquanto imagens de seus filmes eram exibidas, Glauber Rocha era lembrado com várias de suas frases recitadas. Textos que mostravam o mundo visto pelos olhos do cineasta. Falavam da fome, da América Latina, de artes e, óbvio, do Cinema Novo. Era a deixa para outro importante cineasta baiano aparecer. Edgard Navarro trouxe ainda mais provocação para dentro do salão nobre da Reitoria, gritando de uma das casadas do lugar “Acorda Humanidade”, enquanto eram exibidas cenas de seus filmes. Terminou sua participação com um trecho que sempre escandalizou o público. Um close de um ânus defecando.

O movimento da Tropicália não poderia deixar de ser lembrado. Imagens dos integrantes e músicas executadas mostravam outra importante ruptura gerada por Caetano, Gil, Tom Zé e Gal Costa. Não faltaram homenagens a Walter Smetack, Milton Santos e tantos outros baianos, de nascença ou de vivência, que romperam as convenções. O carnaval baiano também não poderia faltar, com lembranças do trio elétrico (outra ruptura cultural), dos artistas e do público.

Toda essas lembranças e mostras da ruptura provocada por baianos não teria sentido se mostradas passivamente. Dentro do espetáculos, as intervenções eram carregadas de sarcasmo e irreverência, com críticas que iam da música carnavalesca baiana a situação política do estado. Numa brincadeira que permeou todo espetáculo, por exemplo, era lembrado que Bahia se escrevia com dois “efes”, um de furtar e outro de fuder.

A ausência do chamado Mestre do Jogo, Roberto Albergaria, fez o espetáculo ganhar ainda mais tons de improviso, obrigando a produção a alterar o jogo. Mestre? Jogo? O que é isso? A idéia era evitar que o evento se reduzisse a monótonas discussões e aproveitando a idéia de ruptura, nada melhor do que inovar, criando uma espécie de jogo multimídia. Logo de início uma pista do que ia acontecer em uma hora e meia de apresentações interruptas.

A montagem: RUPTURA

Ruptura é o ato ou efeito de romper, fratura, interrupção, quebra rotura, brecha. A idéia de levar isso para o palco originou um espetáculo diferente, concebido pela diretora Meran Vargens.“A primeira coisa foi pensar na irreverência do baiano”, diz a diretora.

Vargens pegou personalidades baianas famosas por quebrar as convenções e entrar para história, com suas irreverências. Os cineastas Glauber Rocha e Edgard Navarro. Os educadores Anísio Teixeira e Edgard Santos. Músicos como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Walter Smetack, Raul Seixas, Dodô e Osmar, entre outros. O espetáculo mostrou também expressões artísticas baianas da atualidade que trazem aspectos externos, apresentando outras e desconhecidas faces da Bahia.

Ocupou um espaço não próprio para o tipo de espetáculo, era mais um ato de ruptura. “Usamos os espaços como eles não são usados”, disse a diretora. Sem interferências cenográficas, os vídeos serviram como cenário, enquanto sacadas, a mesa principal e tudo que pudesse sustentar os atores se transformaram em palcos.

Uma das riquezas do espetáculo foi o ineditismo, uma apresentação única sem direito a biz. “É um evento único, dentro deste contexto não existirá outro igual”, falou a diretora.

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