Prof. Dr. Paulo Costa Lima

Aquilo que dá cimento, que dá ligação comunitária, é o estético, o que se sente e o que se considera como belo."

 
 
 

 

 

 

Prof. Dr. Armindo Bião
Cordenador do PPGAC-Programa
de Pós-graduação em Artes Cênicas da UFBA


Qual a sua visão sobre o conceito de identidade cultural e, particularmente, de uma possível identidade cultural baiana?

Eu trabalho na área de Artes Cênicas, mais especificamente em Teatro, mas me interessam muito as matrizes culturais que dão perfil e contorno à cultura baiana de um modo geral, e como o Teatro e as Artes Cênicas se inserem nesse contexto. Nos últimos anos, estou trabalhando com uma rede de pesquisadores na Bahia, no Brasil, na França, nos Estados Unidos e em outros países também, em torno de uma idéia que nós chamamos de etnocenologia, que é a etnociência do espetáculo, na mesma medida em que foram propostas a etnomusicologia, etnolingüística, etnobotânica, etnomatemática. A idéia é de superar o preconceito etnocentrista e valorizar a diversidade espetacular das diversas culturas. No caso da Bahia, tenho um projeto de pesquisa que venho desenvolvendo há alguns anos e gerou uma publicação chamada "Matrizes estéticas: o espetáculo da baianidade" (encontrada em Temas em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade, livro organizado pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UFBA). Grosso modo, correndo o risco de ser superficial e rude, o que a gente identifica é uma multiplicidade de matrizes estéticas na Bahia, distribuídas de forma diferenciada entre Salvador, o Recôncavo, o litoral sul e norte, a Chapada Diamantina, o sertão, enfim, as várias regiões geoculturais que compõem a Bahia. Mais especificamente, tenho me concentrado no estudo da baianidade de Salvador e do Recôncavo, ou seja, da Baía de Todos os Santos. Essas matrizes são evidentemente a nativa, que é múltipla, porque não é apenas tupiniquim ou tupinambá, é evidentemente européia, mais especificamente ibérica, mais particularmente portuguesa, mas com marcas importantes da cultura espanhola, das culturas latinas européias, da cultura em geral da Europa Ocidental. Do mesmo modo, as culturas africanas, que são múltiplas e que chegaram em levas sucessivas ou simultâneas. Essas culturas se misturam numa cidade que, durante quase dois séculos, foi a maior cidade européia fora da Europa, a maior cidade africana fora da África, e um ponto de circulação importante de informações vindas do Oriente, seja do Japão, da China, da Índia ou das Ilhas do Pacífico, da África como um todo, do Caribe e da Europa. A Bahia é um ponto de referência do comércio internacional há muitos séculos. Essa situação fez com que essas matrizes tradicionais se misturassem e continuassem a receber aportes novos durante muito tempo, o que fez com que esta se tornasse uma cidade aberta. É uma cidade que tem um nome feminino, que se remete a um acidente geográfico aberto, de entrada, uma baía, de todos os santos, o que já assegura uma certa pluralidade, e que se acostuma a absorver informação nova, a processar e a criar novidade. Assim, afirma sua perspectiva histórica de porto comercial, onde o mais importante, eu diria, não é a moral ou a ética no sentido estrito. Aquilo que dá cimento, que dá ligação comunitária, é o estético, o que se sente e o que se considera como belo.

É uma cultura auto referenciada, mas que absorve influências externas e diz isso. O trio elétrico, por exemplo, todo mundo sabe que apareceu porque um dia passaram aqui as vassourinhas, um bloco carnavalesco pernambucano. A gente gosta de criar novidade, de absorver novidade e depois jogar isso no comércio, e vive um movimento permanente de transformação cultural, que cada vez mais ratifica a tradição. E que tradição é essa? È aquela da abertura comercial e da incorporação das novidades e da criação de novas novidades.

Qual seria a importância dessa discussão para o fazer artístico e para a sociedade, na Bahia?

Para o fazer artístico, eu diria que seria uma atualização, uma retomada da linha evolutiva, no sentido de valorizar e difundir essa diversidade. Hoje, há grupos na Bahia que têm como temática a negritude, por exemplo, ou as culturas nativas. Claro que havia rituais representativos nas culturas nativas, nas culturas africanas, mas o teatro é uma matriz européia, sem dúvida alguma. O fato é que a gente tem práticas espetaculares que não se restringem ao teatro. Eu acho que as procissões, os rituais afro-brasileiros têm um componente espetacular muito grande. Então, para a criação artística, a compreensão dessa diversidade e dessa dinâmica fazem com que a produção artística se diversifique, se inter-relacione, criando o que eu chamo de sistema espetacular, que vai desde o teatro à dança, ao esporte, à moda, ao carnaval. É um sistema na verdade único, complexo, mas inter-relacionável. Para a sociedade, os estudos mais recentes dos organismos internacionais apontam que está na cultura, no lazer e no turismo o futuro de criação de renda e emprego. Então, a minha expectativa, a minha esperança, é que essa dinâmica cultural venha a reduzir as desigualdades sociais, que são absurdas no caso da Bahia, do Nordeste e do Brasil, gerando renda e empregos. O meu discurso, evidentemente, tem um tom mais otimista do que o de muitos de meus colegas, que lamentam a degradação, a vulgarização, a banalização da cultura. E isso compreendendo que eu não posso separar a arte, a universidade, da sociedade; eu não posso separar a cultura do lazer, do entretenimento, até mesmo do turismo. O conceito contemporâneo de aglomerado ou de sistema faz com a gente compreenda que as coisas todas se tocam, todas dependem umas das outras, e que o valor maior, no meu ponto de vista, é justamente a diversidade, o espaço plural, para todas as manifestações espetaculares, desde as de cunho mais religioso, político ou estritamente artístico.

Mas o que está em evidência na cultura baiana não é muito homogêneo, considerando que a Bahia é um espaço tão múltiplo?

Não, eu não acho que ele é muito homogêneo Acho que ele é muito dinâmico e que tem modas dominantes temporariamente, mas elas se alternam e há nichos de mercado, para usar uma expressão da área, que sempre reservam um espaço importante para, por exemplo, um programa como o Bahia Singular e Plural, da maior importância, que o IRDEB vem fazendo, no sentido de registrar e divulgar folguedos e práticas espetaculares que não estão na dominante do mercado. Não estão, mas estão no Aeroclube Plaza, estão no IRDEB, têm gerado comerciais para a televisão, eventos de toda sorte, aumentando a auto-estima e reafirmando certas matrizes que não são dominantes no mercado. Sim, mas nem tudo será dominante, e nada será dominante sempre. A gente tem que ouvir o que está sendo vendido, aprender com isso, inclusive não ter vergonha de achar a qualidade musical, artística e espetacular de todos esses segmentos, dominantes ou não. O mercado é dinâmico, e as instituições têm seu papel a cumprir. Eu acho que é possível haver formas de regulações de mercado. Eu não saberia o que propor. Tenho a propor no sentido de tentar entender o que é que acontece e, no caso do teatro e da dança, gerar pesquisas sistemáticas, com produção teórica, bibliográfica, artística e técnica sobre o que a gente estuda e o que a gente encontra.

Que indicações você faria de manifestações culturais e artísticas baianas representativas?

Eu falei do Bahia Singular e Plural, que tem levantado um acervo muito grande. Tem as procissões religiosas e as festas religiosas mistas ou não, sincréticas ou não, católicas, afro-baianas, e mesmo as evangélicas, que têm um componente espetacular muito grande. Tem o esporte... Foi muito interessante ver Popó brincando com Ivete Sangalo em cima de um trio elétrico. No Arerê Geral, um programa da TV Bahia, você vê uma modelo e um ator apresentando artistas de todo tipo. Tem dois espetáculos da Escola de Teatro, "Umbigüidades", de Iami Rebouças, e "Insônia", de Hebe Alves. A produção da escola é muito representativa e reveladora da baianidade. Essa é uma hipótese que a gente vem verificando, porque houve muita crítica historicamente de um distanciamento da escola da cultura baiana. Fora da escola, eu vejo alguns núcleos importantes, como o Bando de Teatro Olodum, que faz um trabalho da maior importância, de recriação da matriz afro-baiana. Tem uma companhia em Lauro de Freitas, chamada Companhia Tupã de Teatro, salvo engano, que trabalha mais especificamente com as matrizes nativas, um trabalho de Luís Laranjeiras. Carlos Petrovitch fez um ópera recentemente, "O menino que queria ser rei", com lenda de origem afro-baiana. E tem o Malê de Balê, que é motivo de pesquisa de doutorado no nosso programa.

 

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