Qual a importância
hoje do debate sobre identidade cultural?
Hoje, mais
do que a questão da identidade cultural, o importante é
trabalharmos na perspectiva de pensarmos o plural, que é
a questão das identidades. Mais do que ver a questão
de uma identidade cultural, precisamos considerar a existência
de múltiplas identidades. No mundo contemporâneo, o
mais fundamental está em considerarmos que existe a necessidade
de termos algumas igualdades e são essencialmente
igualdades nas dimensões sociais, humanitárias, porque
temos um mundo de profundas desigualdades sociais mas, ao
tempo que temos a igualdade, nós temos um movimento muito
forte no fortalecimento da diferença. A diferença
é o elemento mais fundamental do mundo contemporâneo,
porque é ela que move a sociedade, do ponto de vista do respeito
à diversidade. Esse é o ponto fundamental. Então,
mais do que buscarmos uma identidade, nós precisamos é
fortalecer as singularidades, fortalecendo a diferença.
E como isso
bate no fazer artístico, na miríade cultural baiana?
Exatamente
pelo fato de que você tem que ter todo um programa de apoio,
financiamento e fortalecimento de todas essas manifestações
e não apenas o apoio e o fortalecimento nas manifestações
hegemônicas. Isso significa que temos que ter apoio financeiro
e espaço para que as manifestações mais diversas
possíveis sejam igualmente fortalecidas.
Essas manifestações
que não são hegemônicas também merecem
financiamento?
Todas são
merecedoras de financiamento. Essa que é a idéia fundamental.
Se você não fortalece a mais pequenininha, a menorzinha
dessas manifestações, ela nunca poderá vir
a ser uma grande manifestação. Precisamos estar mais
abertos mais abertos no sentido de aceitar e mais abertos
no sentido de fortalecer, de capitalizar exatamente essas manifestações
que não estão com o espaço garantido para o
mercado. Numa sociedade neoliberal, onde o foco no mercado é
o fundamental, acaba ocorrendo uma recorrência em termos de
apoio para aquelas manifestações que têm uma
ampla aceitação. Mas não só as que têm
aceitação de mercado que têm que ser fortalecidas.
E há espaço para toda essa diversidade de manifestações,
quando os mecanismos de financiamento viram isenção
fiscal, transferindo a responsabilidade de seleção
e apoio para a iniciativa privada?
Tem. De um lado tem. Primeiro porque isso é muito importante,
mas não basta: se parte do pressuposto que as empresas também
passam a ter uma outra percepção da questão
da identidade e da diferença. Também empresas vão
passar a apoiar manifestações que são singulares
pela sua própria natureza. Isso potencialmente, é
claro.
Mesmo que
não tenham público, que não chamem tanto público
quanto outras?
Não
chama um determinado tipo de público, mas pode chamar outro.
É por isso que você não pode ter os mecanismos
de fortalecimento e de apoio apenas via esse canal. É preciso
ter outros espaços de financiamento e apoio (não necessariamente
financeiro) que não esse, voltado para o mercado.
Ainda falta
o reconhecimento, pelo poder público, da equivalência
dessas manifestações?
Sim, e muito.
Mas não é só do poder público. O poder
público, de certa forma, manifesta aquilo que a sociedade
deseja. E, independentemente da forma como se dão as eleições
e a nossa democracia faz-se representativa, hoje a nossa sociedade
também não considera a diferença como um fator
fundamental. Nossa sociedade é uma sociedade conservadora,
em que todas as minorias são ainda lamentavelmente vistas
como coisa de segunda categoria.
Essa discussão
a respeito da diferença está presente na produção
cultural baiana?
Acho que sim.
A Bahia é um exemplo particular desse tipo de manifestações.
A cultura afro, na Bahia, é algo que se manifesta fortemente,
e essa manifestação demonstra um espaço para
algo que não é o hegemônico. Os projetos culturais
dos blocos afro, dos blocos de carnaval, as ONGs. Há, na
Bahia, um grande espaço onde isso acontece. Obviamente, ainda
é um espaço que luta por mais espaço.
E como é
a ação dessas ONGs, a sociedade civil aflorando, defendendo
a diferença também?
É isso
que vai dar essa dinâmica da sociedade. Veja o exemplo dos
blocos afro, como o Olodum, o Ilê Aiyê, a Timbalada,
o Male Dibalê, a Pracatum, os projetos como o Axé,
a Cipó, a Andi, e as ambientalistas como o Gambá e
outras que atuam nessa área.
Mudando
um pouco o foco para a universidade, para quem faz pesquisa, como
é considerar essas identidades culturais todas presentes
na Bahia? Como isso modifica a fazer científico?
É a
mesma questão. Se a universidade continuar sendo um espaço
onde essas manifestações não tenham predominância,
ou seja, se a universidade não trabalhar com a diferença
enquanto fundante, você não tem universidade. A universidade
contemporânea, nesse milênio que se inicia, só
tem sentido se for centrada na diferença. Se trabalhar só
com o conhecimento hegemônico, não dá conta.
Esse é o grande desafio por que a universidade está
passando. A universidade hoje está muito voltada para a questão
do mercado. E isso não é universidade, é uma
preparação, um treinamento para o mercado. A educação
tem um papel significativo nessa área.
Se você
parar para pensar como se dá hoje a produção
do conhecimento na ciência, ele não é mais centrado
na regularidade. Temos as teorias do caos, dos fractais todo
esse universo da produção de conhecimento está
centrado muito mais no inesperado, na irregularidade, do que na
ordem. Então, a universidade e essa é a nossa
proposta para a Faculdade de Educação da UFBA
tem que se preparar para a desordem, para a rebeldia. E não
se preparar para a ordem, para a harmonia.
Preparando-se
somente para a ordem, você fica preso a todos esses conceitos
de educação formal etc?
Formal e tradicional.
Por isso nós estamos buscando construir um projeto que, em
vez de ser um projeto centrado em pedagogias de assimilação,
trabalhe com uma pedagogia da diferença, que considere as
múltiplas possibilidades de se produzir, de se ensinar e
de se aprender.
É mais
difícil se trabalhar com a desordem do que com a ordem?
Sim e não. No momento em que você trabalha com a ordem,
existe um trabalho inicial anterior grande, mas depois aquilo é
implantado e apenas continua a ser desenvolvido. Só que o
resultado é muito pobre. Quando se trabalha com a desordem,
é preciso haver um grande trabalho inicial e um monumental
trabalho durante o processo, porque você tem movimentos variados,
e esse conjunto de movimentos variados faz com que exista uma dinâmica
que não é fácil de administrar verticalmente.
Você muda a lógica, produz uma lógica horizontal
em vez de uma lógica vertical.
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