Prof. Dr. Paulo Costa Lima

A diferença é o elemento mais fundamental do mundo contemporâneo, porque é ela que move a sociedade, do ponto de vista do respeito à diversidade. Esse é o ponto fundamental. Então, mais do que buscarmos uma identidade, nós precisamos é fortalecer as singularidades, fortalecendo a diferença.

 
 
 

 

 

 

Prof. Doutor Nelson Preto
Diretor da Faculdade de Educação da UFBA


Qual a importância hoje do debate sobre identidade cultural?

Hoje, mais do que a questão da identidade cultural, o importante é trabalharmos na perspectiva de pensarmos o plural, que é a questão das identidades. Mais do que ver a questão de uma identidade cultural, precisamos considerar a existência de múltiplas identidades. No mundo contemporâneo, o mais fundamental está em considerarmos que existe a necessidade de termos algumas igualdades – e são essencialmente igualdades nas dimensões sociais, humanitárias, porque temos um mundo de profundas desigualdades sociais – mas, ao tempo que temos a igualdade, nós temos um movimento muito forte no fortalecimento da diferença. A diferença é o elemento mais fundamental do mundo contemporâneo, porque é ela que move a sociedade, do ponto de vista do respeito à diversidade. Esse é o ponto fundamental. Então, mais do que buscarmos uma identidade, nós precisamos é fortalecer as singularidades, fortalecendo a diferença.

E como isso bate no fazer artístico, na miríade cultural baiana?

Exatamente pelo fato de que você tem que ter todo um programa de apoio, financiamento e fortalecimento de todas essas manifestações e não apenas o apoio e o fortalecimento nas manifestações hegemônicas. Isso significa que temos que ter apoio financeiro e espaço para que as manifestações mais diversas possíveis sejam igualmente fortalecidas.

Essas manifestações que não são hegemônicas também merecem financiamento?

Todas são merecedoras de financiamento. Essa que é a idéia fundamental. Se você não fortalece a mais pequenininha, a menorzinha dessas manifestações, ela nunca poderá vir a ser uma grande manifestação. Precisamos estar mais abertos – mais abertos no sentido de aceitar e mais abertos no sentido de fortalecer, de capitalizar exatamente essas manifestações que não estão com o espaço garantido para o mercado. Numa sociedade neoliberal, onde o foco no mercado é o fundamental, acaba ocorrendo uma recorrência em termos de apoio para aquelas manifestações que têm uma ampla aceitação. Mas não só as que têm aceitação de mercado que têm que ser fortalecidas.
E há espaço para toda essa diversidade de manifestações, quando os mecanismos de financiamento viram isenção fiscal, transferindo a responsabilidade de seleção e apoio para a iniciativa privada?
Tem. De um lado tem. Primeiro porque isso é muito importante, mas não basta: se parte do pressuposto que as empresas também passam a ter uma outra percepção da questão da identidade e da diferença. Também empresas vão passar a apoiar manifestações que são singulares pela sua própria natureza. Isso potencialmente, é claro.

Mesmo que não tenham público, que não chamem tanto público quanto outras?

Não chama um determinado tipo de público, mas pode chamar outro. É por isso que você não pode ter os mecanismos de fortalecimento e de apoio apenas via esse canal. É preciso ter outros espaços de financiamento e apoio (não necessariamente financeiro) que não esse, voltado para o mercado.

Ainda falta o reconhecimento, pelo poder público, da equivalência dessas manifestações?

Sim, e muito. Mas não é só do poder público. O poder público, de certa forma, manifesta aquilo que a sociedade deseja. E, independentemente da forma como se dão as eleições e a nossa democracia faz-se representativa, hoje a nossa sociedade também não considera a diferença como um fator fundamental. Nossa sociedade é uma sociedade conservadora, em que todas as minorias são ainda lamentavelmente vistas como coisa de segunda categoria.

Essa discussão a respeito da diferença está presente na produção cultural baiana?

Acho que sim. A Bahia é um exemplo particular desse tipo de manifestações. A cultura afro, na Bahia, é algo que se manifesta fortemente, e essa manifestação demonstra um espaço para algo que não é o hegemônico. Os projetos culturais dos blocos afro, dos blocos de carnaval, as ONGs. Há, na Bahia, um grande espaço onde isso acontece. Obviamente, ainda é um espaço que luta por mais espaço.

E como é a ação dessas ONGs, a sociedade civil aflorando, defendendo a diferença também?

É isso que vai dar essa dinâmica da sociedade. Veja o exemplo dos blocos afro, como o Olodum, o Ilê Aiyê, a Timbalada, o Male Dibalê, a Pracatum, os projetos como o Axé, a Cipó, a Andi, e as ambientalistas como o Gambá e outras que atuam nessa área.

Mudando um pouco o foco para a universidade, para quem faz pesquisa, como é considerar essas identidades culturais todas presentes na Bahia? Como isso modifica a fazer científico?

É a mesma questão. Se a universidade continuar sendo um espaço onde essas manifestações não tenham predominância, ou seja, se a universidade não trabalhar com a diferença enquanto fundante, você não tem universidade. A universidade contemporânea, nesse milênio que se inicia, só tem sentido se for centrada na diferença. Se trabalhar só com o conhecimento hegemônico, não dá conta. Esse é o grande desafio por que a universidade está passando. A universidade hoje está muito voltada para a questão do mercado. E isso não é universidade, é uma preparação, um treinamento para o mercado. A educação tem um papel significativo nessa área.

Se você parar para pensar como se dá hoje a produção do conhecimento na ciência, ele não é mais centrado na regularidade. Temos as teorias do caos, dos fractais – todo esse universo da produção de conhecimento está centrado muito mais no inesperado, na irregularidade, do que na ordem. Então, a universidade – e essa é a nossa proposta para a Faculdade de Educação da UFBA – tem que se preparar para a desordem, para a rebeldia. E não se preparar para a ordem, para a harmonia.

Preparando-se somente para a ordem, você fica preso a todos esses conceitos de educação formal etc?

Formal e tradicional. Por isso nós estamos buscando construir um projeto que, em vez de ser um projeto centrado em pedagogias de assimilação, trabalhe com uma pedagogia da diferença, que considere as múltiplas possibilidades de se produzir, de se ensinar e de se aprender.

É mais difícil se trabalhar com a desordem do que com a ordem?
Sim e não. No momento em que você trabalha com a ordem, existe um trabalho inicial anterior grande, mas depois aquilo é implantado e apenas continua a ser desenvolvido. Só que o resultado é muito pobre. Quando se trabalha com a desordem, é preciso haver um grande trabalho inicial e um monumental trabalho durante o processo, porque você tem movimentos variados, e esse conjunto de movimentos variados faz com que exista uma dinâmica que não é fácil de administrar verticalmente. Você muda a lógica, produz uma lógica horizontal em vez de uma lógica vertical.

 

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