Prof. Dr. Paulo Costa Lima

Quem dá o tom na produção cultural na Bahia é efetivamente a lógica de mercado. Não que não existam outras lógicas. Mas quem consegue reproduzir, amplificar e massificar efetivamente as dinâmicas culturais são os mecanismos que passam pelo âmbito do mercado. Então, o que é que está faltando diante disso? O que é possível fazer? Vociferar contra o mercado é uma bobagem: ele alcançou hoje todas as dimensões da vida em sociedade."

 
 
 

 

 

 

Prof. Mestre Paulo Miguez
Doutorando na FACOM-UFBA
Prof. da UNIFACS


Qual o panorama da produção artística na Bahia de hoje?

A Bahia, a partir dos anos 70, começou a experimentar um processo que vai estar presente no Brasil como um todo (a Bahia sempre um pouquinho depois): a afirmação de uma nova lógica, fundada na lógica de indústria cultural, que vai substituir, em larga medida, o que se tinha até então – uma lógica de cultura fundada na escola, na academia, em circuitos mais sofisticados e pouco ampliados.

Os anos 70 marcam essa mudança que só se consolida efetivamente com o carnaval nos anos 80. E isso é que vai dar o tom. Quem dá o tom na produção cultural na Bahia é efetivamente a lógica de mercado. Não que não existam outras lógicas. Mas quem consegue reproduzir, amplificar e massificar efetivamente as dinâmicas culturais são os mecanismos que passam pelo âmbito do mercado. Então, o que é que está faltando diante disso? O que é possível fazer? Vociferar contra o mercado é uma bobagem: ele alcançou hoje todas as dimensões da vida em sociedade. No plano da religião, da ecologia, do espírito, da cultura...

Você acha que o mercado chega até alguns "locais de cultura recônditos", com a arte mortuária, por exemplo?

Acho que sim, que ele tem sempre alguma coisa a dizer. A Bahia é o único lugar onde uma casa funerária se chama A Decorativa. Bom, os tentáculos do mercado, como eu ia dizendo, são muito fortes. Como é que eu vou olhar para isso? Temos que produzir aquilo que o mercado não produz, que é política cultural e debate cultural. São políticas culturais públicas, fundamentalmente públicas, mas também privadas, que vão fazer aquilo que o mercado não consegue fazer, que é ampliar os circuitos culturais, incluir aqueles que não têm mercadoria para vender, mas que têm produção a apresentar. O Teatro Experimental não tem mercadoria para vender, porque ninguém compra aquilo. Mas ele tem uma produção para apresentar. E a sociedade precisa daquilo? Precisa. As celebrações no plano da morte... embora o mercado venda o caixão, a tumba, o sepulcro, aquilo não tem uma presença no tecido social? Então, ela precisa ser resguardada, cuidada. Não preservada em formol, porque algumas morrem mesmo. Mas você tem que criar um espaço que o mercado não cria.

Ao invés de as pessoas ficarem criticando pura e simplesmente o mercado, devem primeiro pensar em regular esse mercado e produzir determinadas dinâmicas que não fazem parte dele. Políticas públicas na área de cultura, para garantir as manifestações, o direito de acesso, o direito de criação – não é que todo mundo seja artista, mas todo mundo tem o direito de ter condições para viabilizar a sua criação, a sua produção, coisa que o mercado não permite.

Um passo importante desse processo não seria a própria sociedade reconhecer a diferença, ou seja, reconhecer o valor daquele outro que às vezes lhe é estranho?

O mercado só se interessa pela diferença na medida em que essa diferença possa se transformar num diferencial de mercado. Mas ele não acolhe a diferença no sentido de compreender a necessidade dela, porque o mercado é um espaço de desigualdade. A primeira coisa que ele faz com a diferença é transformá-la em desigualdade. E isso é ruim. Então, acolher essa diferença sem produzir desigualdade cabe ao Estado e à sociedade civil, através de suas instituições – que, às vezes, são empresas mesmo, como a Copene, que vai produzir uma política privada da cultura. Mas são lógicas que têm que caminhar ao lado da lógica maior, que prevalece hoje: a lógica de mercado.

É fundamental a existência de políticas públicas na área de cultura e também na área de comunicação, para romper os monopólios. Afinal, da mesma maneira que a política cultural rompe o monopólio do mercado em relação ao que é fazer cultura, a política de comunicação rompe o monopólio de mercado – ou pretende fazê-lo – daquilo que é fundamental para a sociedade: ouvir, falar...

Hoje, na Bahia, nós vivemos uma situação perigosa: o mercado da produção cultural está monopolizado pelo grupo político que hoje controla a área de comunicação. Ele controla a área de comunicação e a área de cultura. Se você olhar o último verão, os principais fatos artístico-culturais da cidade, no âmbito do mercado – e até fora dele –, foram controlados por essa pessoas, pelo grupo da TV Bahia. E eu não estou discutindo aqui nem competências, eles até têm competência em fazer coisas novas: o Rádio Bazar é uma excelente idéia, o Solaris é uma excelente idéia, o Projeto Pôr do Sol, o Festival de Verão... Não há crítica a isso do ponto de vista da competência, mas há do ponto de vista da diversidade. Esse mercado é extremamente perverso com tudo aquilo que não pode ser rapidamente transformado em mercadoria, não dá margem a que determinadas coisas possam se concretizar. Mas sempre a culpa maior é de quem deveria regulamentar o mercado e contrabalançá-lo em termos de políticas culturais.

É possível regular o mercado?

Claro que é. Você regula o mercado financeiro, o mercado de trabalho, por que não é possível regular o mercado do carnaval, por exemplo? Por que não pode regular o mercado da cultura? Acho que pode. Por que você não pode produzir mecanismos mais transparentes de financiamento? Temos o Faz Cultura, que tem um papel importante, mas é preciso transparência nesse processo, saber exatamente como é que esses circuitos estão. É preciso ouvir a classe artístico-cultural da cidade: quais são as suas demandas, suas opiniões, críticas... incorporar esse processo. Não pode ser imaginando que o Faz Cultura é uma dádiva do Estado, porque é um dinheiro meu, eu paguei imposto e esse imposto vai ser utilizado para várias coisas, entre elas isenção fiscal de empresas. Esse jogo aí não é um jogo que corra independentemente da minha participação como cidadão. Pelo menos eu financio esse processo. É preciso democracia nisso. Transparência, democracia e garantir a participação da sociedade civil. É importante as pessoas produzirem isso e ampliarem o que falta hoje na Bahia, que é o debate cultural.

 

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