Na sua opinião,
qual a importância de uma discussão sobre identidade
cultural, hoje, em Salvador?
É um
tema muito importante e que é preciso qualificar, por que
se fala muita bobagem a respeito disso. Todos os antropólogos
e sociólogos já vivem de mau humor com a banalização
que sofreu a temática da identidade, que é apresentada
no discurso mais comum de uma maneira reificada e contraproducente.
É preciso, entretanto, dar ênfase ao papel da diversidade
cultural, ao reconhecimento da diversidade cultural, e relacionar
isso com a temática da democracia no Brasil, que é
uma coisa que a gente vem tentando instalar neste país e
não instalou ainda. Nós temos uma democracia precária,
que vai mal das pernas; temos um governo anti-popular; temos uma
situação muito difícil, de desigualdade e miséria
no Brasil; e isso é agravado pela ausência de uma política
cultural, por exemplo, no país, realmente séria. Então,
é preciso um debate que aborde essa questão de maneira
digna, não é? Os estudiosos, os pesquisadores, os
cientistas, todos esses que estão agora, por sinal, sofrendo
os efeitos de um obscurantismo dominante no país, que eles
reajam e discutam este assunto com a máxima seriedade.
Como isso
tudo reflete no fazer artístico, na teoria e na prática?
A falta de
um bom entendimento do que deve ser uma política cultural
que contemple a diversidade, que é o tema da SBPC, afeta
também os artistas, é claro. Você tem, por exemplo,
um Ministério da Cultura que gasta milhões com um
filme e que deixa na miséria a área de preservação
cultural. Veja o que está acontecendo com o Patrimônio
Histórico Nacional: está às moscas! Sem gente
qualificada para trabalhar, com funcionários mal remunerados,
com um descaso absoluto pela memória nacional. Então
essa coisa criminosa que está acontecendo se reflete, claro,
por exemplo, no etnocentrismo que rege essa política, para
falar como antropólogo.
O senhor
pode nos indicar grupos que trabalhem o outro lado dessa questão,
que conseguem explorar a diversidade cultural brasileira?
Claro, aqui
na Bahia mesmo nós temos, no meu departamento, o Departamento
de Antropologia, nós temos um grande programa de estudos
com os índios do nordeste do Brasil. É um programa
que inclusive está fazendo desde levantamentos etnográficos
a estudos históricos, jurídicos, e que tem um trabalho
excelente com relação a isso. É o Programa
Integrado de Estudos dos Índios do Nordeste PINEB,
dirigido pela Prof. Maria Rosário Gonçalves de Carvalho
e pelo Prof. Pedro Agostinho da Silva. Nós temos também
estudos voltados para o mundo afro-brasileiro, vários estudiosos
do mundo afro-brasileiro estão pesquisando as condições
de vida das comunidades afro-brasileiras. No país inteiro,
há muita coisa que se tenta fazer, aqui também. Eu
acredito que isso pode ser interessante para a discussão.
E nos estudos
sobre a arte, o senhor acha que esta questão sendo está
bem representada?
Nem tudo gira
em torno da arte, não é? Eu pessoalmente não
estou muito a par do que se vem fazendo nas escolas de arte da Bahia,
não tenho acompanhado. Acho que o Paulo é melhor para
falar disso do que eu. Acredito que nós temos grandes mestres,
estudiosos do assunto, acredito que eles são capazes de discutir
com muita pertinência.
Para uma pesquisa mais aprofundada, que bibliografia o senhor indicaria?
A bibliografia que eu posso dar sobre isso é imensa, a diversidade
cultural hoje conta com bibliotecas inteiras tratando sobre isso...
Mas eu preferia falar de uma outra coisa. Eu dirijo um grupo de
pesquisas voltado para o estudo da etnobiologia e da etnoecologia
como ciência, de um modo geral. Eu estou pensando em aproveitar
a ocasião da SBPC para instituir um prêmio de estupidez
ecológica. Já tenho alguns candidatos, o Rachtur,
por exemplo, pela política estúpida de terceirização
sistemática, de depreciação da Petrobrás,
tem se traduzido em calamidades ecológicas das piores. Outro
é o presidente Fernando Henrique Cardoso. Talvez um dos maiores
exemplos de imbecilidade ecológica seja o projeto de transposição
do Rio São Francisco, sobretudo nas atuais condições
de crise energética no Brasil. Sem a crise energética,
já é uma denúncia da imbecilidade ecológica.
Então eu proponho à SBPC que institua um prêmio,
que será a conferência do título de Grande Imbecil
Ecológico, e será dado a quem o merecer. Eu desde
já apresento esses dois candidatos: André Filipe Rachtur
e Fernando Henrique Cardoso.
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