Prof. Dr. Paulo Costa Lima

O conceito basico de cultura é:"um conjunto de bens e serviços de interesse do turismo?

 
 
 

 

 

 

Prof. Dr. Manuel Veiga
Prof. Emérito da Escola de Música da UFBA


Como o senhor entende a questão da identidade cultural?

Um dos problemas que estão em pauta na etnomusicologia hoje é a construção da identidade cultural através da música. Esse assunto não é tão novo. Há uma corrente antropológica, que talvez se pudesse até chamar de antropologia psicológica, que teve uma fase muito importante durante os anos 30, numa fase subseqüente ao impacto do funcionalismo, em que é feito um estudo de personalidade e cultura, ou melhor, mais do impacto da cultura na formação da personalidade do que o reverso disso. Acredito na importância de se saber quem se é, para onde se vai, o que é que se tem sido, e disso concluir qualquer coisa, e, para mim, não há dúvida nenhuma sobre o risco de uma política de cultura que não seja de cultura, mas de indústria cultural.
Existiria, então, uma unidade ou uma identidade cultural baiana?
Atualmente, com os meios de divulgação de massa, a tendência tem sido de uma desterritorialização da cultura e, subseqüentemente, uma necessidade de negociação de significados. Você imagina o que aconteceu com o Olodum. Aquilo é produto, é um retrato de um grupo minoritário, com problemas, querendo estabelecer essa identidade de que a gente está falando, então isso é produto exótico, interessante. Produtores americanos, japoneses, tiram esse grupo daqui, levam para o Central Park, em Nova York, para grandes gravadoras. No momento em que isso acontece, o relacionamento desse grupo de músicos com a comunidade que o produziu se altera completamente. Então, ao invés de haver tantos músicos participando da banda, essa foi reduzida de tamanho, e os ensaios, de que as pessoas participavam livremente, começaram a ser cobrados, os instrumentos começaram a mudar, essa coisa toda. Conseqüentemente, essa comunidade tem que negociar esse significado para poder manter aquilo que é seu, a sua identidade. Isso ocorre o tempo todo, culturas musicais relativamente isoladas são atingidas por influências urbanas ou pela indústria do disco ou do que for. Ou seja, elas começam a se alterar totalmente. A conseqüência da perda de identidade é um desastre.

E, no momento atual, como fica a identidade cultural em Salvador, por exemplo?

Não fica. Salvador está posta à venda. Eu não posso nem falar disso, porque fui do Conselho Estadual de Cultura durante bastante tempo e fiz uma ou duas críticas, que me parecem sensatas, aos mecanismo de captação e aplicação de recursos, não preocupado com as coisas que estão sendo feitas, que são muitas, mas com as enormes ambições. Eu me preocupo muito com essas ambições, porque são fundamentais para essa identidade de que estou falando. O conceito básico do Faz Cultura é - eu fico até um pouco embaraçado de dizer isso: "cultura é um conjunto de bens e serviços de interesse do turismo". Ponto. Indústria cultural da pior natureza, porque isso produz empregos e gera riqueza, e se descobriu que não sei quantos por cento do PIB estão envolvidos em atividades culturais, e, por causa disso, vamos maltratar a população inteira, vamos prostituir todo mundo, vamos desrespeitar qualquer coisa porque o resultado é dinheiro, então está certo. Qualquer outra coisa é inoportuna, é impossível.


Como o senhor entende a questão da heterogeneidade na cultura baiana? É diferente do Brasil ou de outros contextos, nesse aspecto?

Eu poderia falar sobre funções e usos de música, porque isso também está relacionado com a identidade e responde a essas mil caras de Salvador. A cultura à qual você pertence seria o maior condicionador do tipo de música que você produz. Música produz respostas físicas, então há um determinado tipo de fazer musical que está em todas, mas existem aquelas que fazem principalmente isso. Outra função de música que é muito citada é a de expressão de emoções. Tudo bem, por que não? Mas é fundamental também que você pense que não há música sem conhecimento. Existe música para refletir. Qualquer grupo humano tem conceitos daquilo que ele considera boa música. Em função desses conceitos, estão os comportamentos, e em função dos comportamentos, finalmente, os produtos, as músicas. E tudo isso é um sistema dinâmico: se os produtos não correspondem aos conceitos, ou os conceitos mudam ou os produtos mudam. Se os comportamentos forem inadequados aos produtos, então um muda o outro. Tudo isso está constantemente sendo ajustado por um processo de retroalimentação, que se poderia chamar informalmente de educação musical. Essa educação musical não tem que ser formal, mas está aí o tempo todo e é esse feedback que compatibiliza o sistema inteiro. Mas o luxo, nesse país de cartolas, que é o dos músicos, é de que a emoção seja premiada e a reflexão seja ignorada.

No geral, ou principalmente na Bahia?

Não, no geral eu acho que a tendência seria essa. Muito menos, por exemplo, na Europa e nos Estados Unidos, onde as pessoas são educadas. É um absurdo o sistema educacional brasileiro ignorar um dos sentidos fundamentais, que é o da audição. Claro que se educa pela música, não precisa nem dizer. E deseduca também, faz o contrário. No caso do Brasil, existem exemplos históricos – e são vários – dessa consciência da força da música, ao ponto de terem interditado todos os batacotôs da Bahia, que eram instrumentos dos malês ou dos iorubás, não me lembro bem. Os atabaques de candomblé foram apreendidos pela polícia até 1975, uma violência que não tem tamanho, mas muito bem pensada, porque qualquer delegado de polícia sabia que, no momento em que ele apreendesse o atabaque, o candomblé parava. Concluindo a questão das funções e de como elas afetam essa música, você teria uma função de comunicação, uma outra de entretenimento, de expressão, gosto estético, mas existem outras funções que são mais ligadas ao reforço de autoridade, legitimação de sistemas políticos e religiosos, contribuição para a continuidade da cultura, contribuição para a integração, tudo isso não exclusivo da música, evidentemente, mas de que ela faz parte.

Eu acho que deveria haver um planejamento cultural, com bases mais científicas, projetos de salvaguarda de memória, de estímulo à criatividade. Certos tipos de coisas que seriam feitas por um Estado que tivesse uma política cultural esclarecida. Isso precisa ser feito, mas é perigoso interferir nisso diretamente. Se você pensa em termos econômicos, como se houvesse uma esfera de circulação, uma esfera de produção e uma esfera de consumo, mexer no consumo ou mexer na produção é muito perigoso, vira um dirigismo. Mas mexer na circulação não, porque é um efeito indireto, facilita-se o acesso, multiplicam-se as oportunidades e o estímulo. Isso seria o mínimo que uma política cultural inteligente teria que ter, sem ser dirigista.

Na graduação da Escola de Música, estão surgindo grupos como o Janela Brasileira, tentando fazer um tipo de música que seja boa e ao mesmo tempo acessível. Essa última experiência, por exemplo, que fizeram no Teatro Vila Velha, as 5 Pocket Óperas, com exceção de uma delas, teve um resultado muito bom e sem nenhuma concessão. Não houve qualquer problema de comunicação com a audiência. Então isso pode ser feito, apresentar coisa boa, de qualidade, a um público que ainda precisa ser educado. Para mim, o nacionalismo seria o direito que você tem e que eu tenho de me reconhecer na minha

 

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