Bahia, que lugar é este para você?
É um
pedacinho de todo lugar. Do ponto de vista cultural, a Bahia tem
a sorte de ter um favorecimento afro, indígena e europeu.
Todos puderam "correr" aqui com uma certa liberdade. Diferente
de outros lugares, a cultura negra tem uma presença marcante
aqui. Até pelo número, logo que a população
negra é bem maior.
Mas, ao mesmo tempo em que se encontra traços dessa cultura
espalhada por toda a cidade, também há toda uma população
vivendo ainda como escrava. As periferias são aldeias largadas
à própria sorte. Então, a negra sorrindo vestida
de turbante de acarajé, dessa Bahia que pode ser vendida
pela Bahiatursa, tira o turbante, volta para casa e encontra seu
filho fumando maconha, roubando; sua filha, ainda adolescente, grávida.
Talvez nós cuidemos muito do que chamamos o legado cultural
africano, mas esqueçamos de cuidar desse povo. Enaltecemos
a cultura e esquecemos do povo, sem fazer com que seja tratado com
o devido respeito. Principalmente agora, com a globalização,
corre-se o risco de irmos mais para trás ainda. A segregação
pode tornar-se mais sem-vergonha. É um perigo que nós
corremos.
Por quê?
Por que, até
então, a gente a que eu pertenço, a comunidade em
que eu nasci, é prestadora de serviços. Empregada
doméstica, garçom, porteiro... Vivemos basicamente
do legado escravocrata. Se, de repente, a classe média baiana
resolver tomar vergonha na cara e resolver não utilizar mais
mão de obra, não ter aquela figura estranha na casa
- às vezes até cinco pessoas, o que já é
quase uma tradição - e comprar máquinas, como
os europeus, nós vamos passar por uma situação
difícil. Ou seja: o que nós temos como serviço
já não serve mais. E o pior de tudo: não estamos
preparados para esse mundo tecnológico. Estamos analfabetos,
analfabetos mesmo e analfabetos da tecnologia, duplamente analfabetos.
Essa distância, de Barra a Alagados, tende a se tornar cada
vez maior.
Mas o enaltecimento
da cultura africana, esse reconhecimento, não funcionou,
em dado momento, para melhorar as condições de vida?
Isso é
uma faca de dois gumes. Isso não aconteceu à toa.
Aconteceu a partir de uma briga do movimento negro para que se fizesse
reconhecer o que era lógico. Qualquer um da classe média
tinha uma negra na casa que cuidou dele, que o educou e o acostumou
a comer vatapá na Sexta-feira Santa. Com um pouco de pressão,
tudo isso acabou vindo à tona. Mas reconhecer que a cultura
está na gente, que ela é importante, que ela é
maravilhosa e que ela vende para caramba para o turista é
uma coisa. Daí a reconhecer a humanidade das pessoas que
são proprietárias dessa cultura é outra completamente
diferente, é uma outra história. É muito bonito
ver a baiana do acarajé, a música da TV Bahia, e até
ver como a Bahia é vista lá fora. O reconhecimento
da cultura foi algo importante e que deve ser mantido. Mas é
preciso ir além: é preciso reconhecer o direito de
humanidade, de moradia, de respeito aos lares, aos seus direitos
de cidadão. Temos que dar esse pequeno passo. E ele está
próximo, logo que já fomos reconhecidos como cultura.
Basta agora, com um pouco mais de boa vontade, sermos reconhecidos
como gente. O grande problema é passar de ser "movente"
- que era o termo dado aos negros, os escravos - a "gente".
Quando nós formos "gente"... gente sempre é
gente. Todos de primeira categoria!
E onde o
Grupo Bagunçaço se coloca nessa Bahia dividida?
O Bagunçaço
surge exatamente aí. Nesse negro tão cantado e exaltado.
O negro é bonito, é isso, é aquilo; percussão
mundialmente conhecida, Paul Simon aqui... O Bagunçaço
surge exatamente dessa descoberta comunitária de seu valor.
Eu toquei lata quando pequeno. Pegava uma lata de óleo, daquelas
que se comprava na cesta do povo; pegava uma borracha de pneu, preta;
um plástico desses que vinham com feijão, transparente,
forte. Apertava na boca da lata de óleo (abria ela dos dois
lados) e ali prendia o plástico com a borracha e fazia um
tamborzinho. A lata, um plástico para fazer a pele e a borracha
para prender, para a afinação. Toquei muita lata.
Só que o tocar lata dos meninos do Bagunçaço
que eu vi em 91 já tinha uma outra inspiração.
A minha era crua e nua da cultura afro. Uma coisa que surge, que
a gente vê nos candomblés - e menino gosta de batucada;
em qualquer cultura, se ele ouvir alguém bater, ele vai tocar
porque fazer som é muito bom. Já a dos meninos era
diferente. Vinha da moda do Olodum.
O Olodum tinha
emplacado "Faraó" no rádio, e agora todas
as comunidades ouviam um grupo percussivo conseguir sucesso através
da percussão. Isso empolgou todo mundo. Já havia a
pré-disposição e, com esse apoio sonoro do
Olodum, surgiram vários grupos percussivos nas comunidades,
cada comunidade tinha umas dez (era que nem os grupos e pagode de
hoje). Então, primeiro as bandas de percussão da comunidade
se espelhavam no Olodum; e os menorezinhos, que não tinham
a articulação dos maiores para conseguir os tambores,
queriam se espelhar nas bandas de percussão da comunidade.
E iam buscar na lata o batuque. Eu lembro de um filme africano que
assisti, em que os meninos menores da tribo não conseguiam
cortar uma árvore para fazer o tambor. Então eles
iam à procura de uma árvores velha, de troncos secos,
já quase secos, pequenos, e eles cavavam para fazer tambores.
Aqueles troncos velhos, já quase decompostos, eram a lata,
o lixo da floresta. Os daqui seguiram a mesma lógica. Só
que no lugar da árvore, pegaram a lata, o latão velho
que faz o tambor.
O Bagunçaço surgiu daí, dessa necessidade de
se identificar, de se localizar. E eles tocavam, eram simplesmente
sete ou oito sentados, tocando e viajando na deles. Eu - já
preocupado com a minha situação social de marginalidade
e a dos outros, procurando encontrar alguma forma de ajudar os outros
jovens da comunidade - quando vi aquilo, disse, "é esse
o projeto".
E o Bagunçaço
já era o Bagunçaço, já se chamava assim?
Havia um grupo
de meninos tocando latas, sentados na rua. Eram duas latas, aliás,
uma descarga sanitária plástica e uma lata de querosene,
dessas grandes. Eles estavam tocando, três no agudo e quatro
no grave. Havia uma socialização ali. Como eram todos
meninos, eles tinham que ter um certo espírito de grupo para
dividirem dois lixos por sete meninos. Havia uma disciplina, tinha
que haver o líder. Havia também ali o resgate da identidade
afro, com os tambores. Havia o discurso ecológico - mas o
discurso ecológico de barriga vazia, porque é muito
bom dizer "salvem as baleias", ou seja lá quem
for, de barriga cheia; de barriga vazia você quer comer todos
eles que aparecerem na sua frente. Então, a necessidade de
tocar tambor e se identificar com sua cultura, não ter dinheiro
e pegar na lata, acaba criando um discurso ecológico: recuperar
o lixo para encontrar a identidade. Não deixar que esta Terra
se torne um lixão. Eu saquei tudo assim, na primeira olhada,
chega fiquei arrepiado. Mas como fazer para ajudar? Eu, duro, pobre,
negro, sem um centavo, quem vai me dar credibilidade? Aqui na Bahia
nós temos muitos projetos feitos por estrangeiros. Ele vê
uma coisa muito bonita, escreve para os amigos de lá e cada
um dá mil dólares. Todo mundo sabe que ele desceu
do primeiro mundo para o terceiro para ajudar. Então até
a própria sociedade de classe média baiana ajuda,
porque sabe que ele está ali num desprendimento financeiro
completo, porque ele desceu do primeiro mundo dele para nos ajudar.
Mas o neguinho,
saído dos infernos, ele está é querendo se
dar de bem. Qual é a credibilidade, quem vai te dar mil reais,
quem vai te dar alguma coisa? Nem a própria comunidade acredita
nas suas intenções. Acha ou que você é
um homossexual e quer explorar os meninos, ou que você é
político e quer se candidatar, ou que você é
traficante... mil boatos ao mesmo tempo porque é muito difícil
a comunidade acreditar que um dos seus tenha esse pensamento tão
nobre, de, no desespero da sobrevivência, ainda poder olhar
para o lado.
Pronto, não ia achar dinheiro de ninguém de fora,
não ia achar apoio de ninguém de dentro, e os meninos
que acreditavam. Então o negócio era tocar. Sentar
ali e ajudar, apoiar, conseguir que a paróquia cedesse o
espaço (foi o primeiro espaço que conseguimos), e
votar um nome. "Bagunçaço" foi escolhido
democraticamente. Eu pensava: "é uma bagunça
isso aqui, um bagunçaço, é tão bonita
essa coisa deles de se organizarem gritando, um xinga aqui, toma
ali todo mundo, esse tal de dizer 'eu gosto de você' ao passar
a mão na bunda, mandar sua mãe se foder, dizer que
seu pai é cachaceiro... quando na verdade ainda não
conseguiam dizer 'ah, que legal que estamos aqui juntos, nos defendendo
desse mundo inteiro'". Aí sugeri Bagunçaço.
Como viram que foi uma proposta minha, os que queriam que eu continuasse,
me agradando, disseram: "é, Bagunçaço..."
e os outros, mais politizados, disseram: "Não, só
porque o cara botou, pegue seu nome e enfie no...". Acabou
que ficou, por pouquíssima diferença, vencendo Bagunçaço.
Foi o nome dado a essa primeira banda.
Mas, a partir
do momento que a gente saiu tocando - e tocamos para todo mundo,
esquerda, direita, bastava ter um palco que a gente pedia. Tocamos
nos palanques de todos eles e foi muito legal , com o microfone
e a lataria fazendo barulho. E os outros que estavam lá embaixo
começaram a perceber que a fórmula era fácil:
menino de comunidade, tudo pretinho, solto, sem o que fazer, "somos
nós!"; lata, um monte aqui ao redor. Eu morava num barraco
de madeira e, depois de um tempo, começaram a bater na porta:
"não é o senhor que é Pim? Eu sou de lá
do Uruguai, você tá ajudando aquela banda, a Bagunçaço,
né? Eu sou o maestro da minha banda, o senhor pode me ajudar
também?". Eu dizia que a gente tinha que conversar,
que não tinha tempo, trabalhava, tinha que manter a família,
que era filho mais velho de pai morto... afinal, a minha idéia
inicial era ficar ali, com o primeiro grupo, ajudando no que eu
pudesse. O primeiro cara perguntou se eu podia conversar na hora,
assobiou lá para o canto da rua e vieram uns oito, dez. Sentamos
no passeio, eu comecei a explicar o estatuto da criança e
do adolescente, que as crianças não podiam apanhar
dos pais, essas coisas - na época, estava fazendo um trabalho
para o juizado de menores. Daí veio outro grupo, outro grupo.
Em pouco tempo, em Massaranduba/Uruguai, nós tínhamos
oito grupos de lata.
E como você
organizou o pouco tempo que tinha?
Eu tive que
largar o primeiro emprego. Minha mãe me botou para fora aí.
Disse: "esse menino deve estar emaluquecendo, fica com um monte
de menino para cima e para baixo indo tocar lata e não vem
ajudar a família". Foi uma briga feia, foi horrível.
Aí eu disse: "vai trabalho, vai comida, mas eu tenho
que fazer o que eu gosto". Fiquei num trabalho só, no
juizado, e vim passar as manhãs com os meninos. Um ano e
meio depois disso eu também larguei o juizado e fiquei só
tocando lata.
E quando
você se deu conta que o grupo Bagunçaço virou
o Grupo Cultural Bagunçaço?
Foi uma amiga
minha, que trabalhava como assistente social que me chamou atenção
para registrar o grupo, logo que eu trabalhava com um monte crianças
e não estava amparado legalmente. Aí, na hora de registrar,
colocamos o nome da primeira banda. Não parecia sério
o nome Bagunçaço, mas o problema todo é que
eu nunca tive compromisso com nada. Eu sai daqui. Diferente de um
educador de formação, eu vinha com um paradigma novo
porque eu não fazia parte dos educadores, nem comunitário
nem popular. Era só um jovem que estava me descobrindo educador
nesse momento. Então minhas regras eram as regras da necessidade.
Era Bagunçaço mesmo. E quantas vezes já riram
quando eu dizia "o nome do projeto é Bagunçaço"?
Hoje, quando chego em alguns lugares, é sinônimo de
coisa bem organizada, que deu certo. O projeto seguiu crescendo,
crescendo, e eu fui me formando como educador (porque entrei nessa
como um menino que não entendia muito). Fiz um curso de pedagogia
popular pelo Movimento Nacional dos Meninos de Rua, e passei a estudar
psicologia, antropologia por conta própria, nunca fui à
universidade. Me tornei um educador autodidata.
Daí
dá para notar que o projeto tem uma via dupla: ele não
só fez crescer os jovens, dar-lhes cidadania, mas deu a um
simples padeiro dos Alagados a condição de se tornar
um intelecto, de conversar sobre psicologia, educação,
de viajar. Eu sou o resultado do projeto. Sempre falo que os líderes
de comunidade que eu conheço podem falar "eu vou consertar
a rua tal", mas entender de fato de políticas públicas
da população que ele fala, estudar, ler livros, bater
a cabeça, dar um grande salto, é o que é importante.
Hoje eu não vou à universidade por opção.
O conhecimento tem várias formas de chegar até você.
Embora seja uma das pessoas que mais tenta ter relação
com a universidade - porque o papel dela é trazer a tecnologia
desenvolvida para a comunidade - enquanto pessoa, acho que sempre
vou buscar esse conhecimento de forma marginal. Não quero
que respeitem o que eu disser porque alguém me deu um diploma.
Esse diploma quem me deu foram os meninos do Bagunçaço,
a minha mãe que me botou para fora, o padre que me aceitou
aqui, o cara da venda que me vendeu fiado, a menina que abriu mão
do curso dela por mim. Essa gente que me formou.
Você
falou desse grande salto, seu e do Bagunçaço, qual
é a idéia que funda o Bagunçaço hoje?
A idéia
principal é permitir processos, a médio e longo prazo,
de apropriação de conhecimento pela comunidade e manipulação
desse conhecimento. Na verdade, o que eu vi na maioria dos projetos
é que chegam pessoas nas comunidades com idéias suas,
boas ou não, com o pressuposto que aquela formação
(ou informação) vai melhorar o meio daquela comunidade.
Mas geralmente a pessoa não pergunta à comunidade
o que ela quer realmente com a formação. Geralmente
os projetos sociais são baseados nisso. Alguém tem
uma boa idéia - algumas são realmente maravilhosas
- e serve com essa boa idéia a comunidade. A comunidade participa,
algumas vezes em um grau muito bom, outras muito reduzido, mas o
processo do Bagunçaço é diferente. A comunidade
teve uma idéia e essa idéia foi se organizando, a
comunidade apropriou-se desse processo de produzir, discutir e aplicar
conhecimento. Não existe nenhum antropólogo, pedagogo
ou psicólogo que chega aqui e interpreta a nossa linguagem
para o mundo. O mundo tem que falar uma linguagem que o Bagunçaço
entenda e o Bagunçaço tenta falar uma linguagem que
o mundo entenda. A idéia do Bagunçaço é
permitir esse processo nas comunidades. É um processo mais
lento, mais complicado, mas um processo de verdadeira apropriação
do conhecimento e, além disso, da sua aplicação
e discussão. Hoje, no Bagunçaço, toda a equipe
formada, produtor, secretária, gerente, são os próprios
meninos que conheci há nove anos atrás. Todos são
os próprios meninos que fizeram 20, 21 anos e assumiram o
projeto. Esse projeto hoje é 100% comunidade. Temos colaboração
da universidade; temos colaboração estrangeira; temos
colaboração da classe média branca baiana;
de quem quiser. O importante é que ele conduza aqui dentro
um processo de conhecimento que sirva para os que vêm atrás.
Descendo
para a prática do grupo, ele começou com os meninos
tocando lata, já tem grupo de dança e vários
outros estilos ...
É, o
Grupo hoje tem grupos de teatro, futebol, caratê, capoeira,
artes-plásticas; temos um leque cultural. Até a cultural
de milho que queremos fazer aqui é cultural. Mas mantém
o foco principal que é articular bandas de latas. A partir
da articulação das bandas de latas, tudo pode se relacionar.
Um grupo de dança, é claro, pode se relacionar à
banda de latas, porque ele dança quando se toca; a informática
porque o menino precisa se comunicar com o mundo e entender a questão
dele enquanto pessoa. Aí percebe-se que, qualquer ação
que se fizer, o mundo se relaciona com ela. E o menino vai tranquilo,
sorrindo, dono da própria situação porque ele
consegue entender o mundo melhor se é a partir do que ele
escolheu como identificação com o mundo.
Existem processos
definidos para a produção musical dessas bandas?
Não.
Nossa divisão é assim: nós temos quatro grupos
que chamamos de sócio-comerciais, que chegaram a um grau
de aperfeiçoamento musical que a gente vende esses produtos
para manter o projeto. Temos uma dupla sertaneja, Tom e Kel; a banda
Dilata Som, que faz mais merengue, salsa, carnaval baiano, com guitarra
baixo etc.; a banda PercuCia., que misturou os atabaques com o som
de DJs, e tem um americano Orlando Louver, que já concorreu
ao Grammy e se encantou com os meninos, vindo dirigir a banda; finalmente,
tem a Sucata Mania, porque, como nós somos 31 grupos, tinha-se
que criar um grupo que fosse a seleção do Bagunçaço.
O Sucata Mania é apoiado por Wilson Café, um percussionista
que se voluntariou a estar no Bagunçaço. Então
o Sucata Mania é uma seleção mesmo. Temos um
show, todo mundo tem direito a ensaios, há os âncoras
e um rodízio que seleciona os jovens pelo comportamento,
pela musicalidade e pela dança. Assim forma-se o Sucata Mania,
com seus 27 componentes. Quase como a seleção brasileira,
com todo mundo querendo jogar o máximo para ser escolhido,
para sair na escalação. É muito difícil
fazer essa escalação.
Essas bandas têm liberdade de compor, trazer composições
de fora, mas cada um compõe na sua, arranja um coleguinha
para fazer o arranjo e já mostra o negócio pronto.
Aqui é uma universidade musical, cada um está tocando
numa parede aí, tirando sua música e quando eu vejo
já está com guitarra e baixo, já pronto. E
leva-se tudo a um festival que tem no final do ano e todo mundo
concorre com as suas canções, invenção
de novos instrumentos, seja lá o que for.
Nós
vamos gravar uma coletânea das quatro bandas em CD. Aliás,
estamos criando uma botique para vender CDs, camisetas, bottoms,
esse tipo de coisa, na sede. Agora, quanto ao CD, é um desafio
nosso. A gente quer ser diferente de fato. Não queremos uma
gravadora e, sim, um selo independente, Pode ser até que,
a partir desse selo, a gravadora compre, mas não queremos
essa história de ir no Faustão porque a gravadora
mandou. Isso aqui é um movimento cultural, que tem a sua
própria direção. Não é showbusiness.
Esse é o grande perigo na música baiana, ninguém
sabe diferenciar o que é e o que não é showbusiness.
Os meninos, é claro, como meninos ficam encantados com isso,
mas também conhecem o outro lado, porque quando cantam não
cantam essas coisas. Eles vivem sua vida de menino normal, influenciados
por tudo que está aí, mas na hora de reproduzir isso,
reproduz de forma própria, que é o importante. Nós
discutimos isso aqui. Que o sucesso verdadeiro é a construção
da história. Se você levar meu CD, vai saber porque
está levando.
E a relação
hoje do Bagunçaço com a comunidade, talvez até
as comunidades?
Primeiro, o
Bagunçaço é tão para dentro, que a comunidade
assiste de fora. Ela tem que vir aqui para ver o que é. Com
essa comunidade aqui da paróquia, nós temos problemas.
Basta ver na frente da paróquia como são as casas
e no fundo da paróquia como são as casas. Desse lado,
até o fim de linha dos Alagados, vem a demanda do nosso mundo,
e do outro lado já existem casas de construção
com carro na garagem, um é policial, o outro trabalha no
pólo - o pobre que já alcançou certa condição,
são pobres classe alta. Aí a percussão já
incomoda, porque os filhos dessas pessoas já não estão
mais no mesmo nível social dos meninos daqui. É uma
falta de solidariedade horrível. Inclusive, já houve
reuniões em que foram muito diretos com o padre, dizendo
que "não é que não goste, mas esses pivetes
vêm para cá....". Lá, na comunidade pobre,
em que os meninos não vão para a escola, ficam na
rua mesmo, nós chegamos como salvadores da pátria.
E só é uma mudança, veja, de menos de 20 metros.
A face do lado de cá da rua, e a outra face da rua.
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