Joselito Crispim

O grande problema é passar de ser "movente" - que era o termo dado aos negros, os escravos - a "gente". (...) Eu, duro, pobre, negro, sem um centavo, quem vai me dar credibilidade?

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Joselito Crispim
Fundador do Grupo Cultural Bagunçaço


Bahia, que lugar é este para você?

É um pedacinho de todo lugar. Do ponto de vista cultural, a Bahia tem a sorte de ter um favorecimento afro, indígena e europeu. Todos puderam "correr" aqui com uma certa liberdade. Diferente de outros lugares, a cultura negra tem uma presença marcante aqui. Até pelo número, logo que a população negra é bem maior.
Mas, ao mesmo tempo em que se encontra traços dessa cultura espalhada por toda a cidade, também há toda uma população vivendo ainda como escrava. As periferias são aldeias largadas à própria sorte. Então, a negra sorrindo vestida de turbante de acarajé, dessa Bahia que pode ser vendida pela Bahiatursa, tira o turbante, volta para casa e encontra seu filho fumando maconha, roubando; sua filha, ainda adolescente, grávida. Talvez nós cuidemos muito do que chamamos o legado cultural africano, mas esqueçamos de cuidar desse povo. Enaltecemos a cultura e esquecemos do povo, sem fazer com que seja tratado com o devido respeito. Principalmente agora, com a globalização, corre-se o risco de irmos mais para trás ainda. A segregação pode tornar-se mais sem-vergonha. É um perigo que nós corremos.

Por quê?

Por que, até então, a gente a que eu pertenço, a comunidade em que eu nasci, é prestadora de serviços. Empregada doméstica, garçom, porteiro... Vivemos basicamente do legado escravocrata. Se, de repente, a classe média baiana resolver tomar vergonha na cara e resolver não utilizar mais mão de obra, não ter aquela figura estranha na casa - às vezes até cinco pessoas, o que já é quase uma tradição - e comprar máquinas, como os europeus, nós vamos passar por uma situação difícil. Ou seja: o que nós temos como serviço já não serve mais. E o pior de tudo: não estamos preparados para esse mundo tecnológico. Estamos analfabetos, analfabetos mesmo e analfabetos da tecnologia, duplamente analfabetos. Essa distância, de Barra a Alagados, tende a se tornar cada vez maior.

Mas o enaltecimento da cultura africana, esse reconhecimento, não funcionou, em dado momento, para melhorar as condições de vida?

Isso é uma faca de dois gumes. Isso não aconteceu à toa. Aconteceu a partir de uma briga do movimento negro para que se fizesse reconhecer o que era lógico. Qualquer um da classe média tinha uma negra na casa que cuidou dele, que o educou e o acostumou a comer vatapá na Sexta-feira Santa. Com um pouco de pressão, tudo isso acabou vindo à tona. Mas reconhecer que a cultura está na gente, que ela é importante, que ela é maravilhosa e que ela vende para caramba para o turista é uma coisa. Daí a reconhecer a humanidade das pessoas que são proprietárias dessa cultura é outra completamente diferente, é uma outra história. É muito bonito ver a baiana do acarajé, a música da TV Bahia, e até ver como a Bahia é vista lá fora. O reconhecimento da cultura foi algo importante e que deve ser mantido. Mas é preciso ir além: é preciso reconhecer o direito de humanidade, de moradia, de respeito aos lares, aos seus direitos de cidadão. Temos que dar esse pequeno passo. E ele está próximo, logo que já fomos reconhecidos como cultura. Basta agora, com um pouco mais de boa vontade, sermos reconhecidos como gente. O grande problema é passar de ser "movente" - que era o termo dado aos negros, os escravos - a "gente". Quando nós formos "gente"... gente sempre é gente. Todos de primeira categoria!

E onde o Grupo Bagunçaço se coloca nessa Bahia dividida?

O Bagunçaço surge exatamente aí. Nesse negro tão cantado e exaltado. O negro é bonito, é isso, é aquilo; percussão mundialmente conhecida, Paul Simon aqui... O Bagunçaço surge exatamente dessa descoberta comunitária de seu valor.
Eu toquei lata quando pequeno. Pegava uma lata de óleo, daquelas que se comprava na cesta do povo; pegava uma borracha de pneu, preta; um plástico desses que vinham com feijão, transparente, forte. Apertava na boca da lata de óleo (abria ela dos dois lados) e ali prendia o plástico com a borracha e fazia um tamborzinho. A lata, um plástico para fazer a pele e a borracha para prender, para a afinação. Toquei muita lata. Só que o tocar lata dos meninos do Bagunçaço que eu vi em 91 já tinha uma outra inspiração. A minha era crua e nua da cultura afro. Uma coisa que surge, que a gente vê nos candomblés - e menino gosta de batucada; em qualquer cultura, se ele ouvir alguém bater, ele vai tocar porque fazer som é muito bom. Já a dos meninos era diferente. Vinha da moda do Olodum.

O Olodum tinha emplacado "Faraó" no rádio, e agora todas as comunidades ouviam um grupo percussivo conseguir sucesso através da percussão. Isso empolgou todo mundo. Já havia a pré-disposição e, com esse apoio sonoro do Olodum, surgiram vários grupos percussivos nas comunidades, cada comunidade tinha umas dez (era que nem os grupos e pagode de hoje). Então, primeiro as bandas de percussão da comunidade se espelhavam no Olodum; e os menorezinhos, que não tinham a articulação dos maiores para conseguir os tambores, queriam se espelhar nas bandas de percussão da comunidade. E iam buscar na lata o batuque. Eu lembro de um filme africano que assisti, em que os meninos menores da tribo não conseguiam cortar uma árvore para fazer o tambor. Então eles iam à procura de uma árvores velha, de troncos secos, já quase secos, pequenos, e eles cavavam para fazer tambores. Aqueles troncos velhos, já quase decompostos, eram a lata, o lixo da floresta. Os daqui seguiram a mesma lógica. Só que no lugar da árvore, pegaram a lata, o latão velho que faz o tambor.
O Bagunçaço surgiu daí, dessa necessidade de se identificar, de se localizar. E eles tocavam, eram simplesmente sete ou oito sentados, tocando e viajando na deles. Eu - já preocupado com a minha situação social de marginalidade e a dos outros, procurando encontrar alguma forma de ajudar os outros jovens da comunidade - quando vi aquilo, disse, "é esse o projeto".

E o Bagunçaço já era o Bagunçaço, já se chamava assim?

Havia um grupo de meninos tocando latas, sentados na rua. Eram duas latas, aliás, uma descarga sanitária plástica e uma lata de querosene, dessas grandes. Eles estavam tocando, três no agudo e quatro no grave. Havia uma socialização ali. Como eram todos meninos, eles tinham que ter um certo espírito de grupo para dividirem dois lixos por sete meninos. Havia uma disciplina, tinha que haver o líder. Havia também ali o resgate da identidade afro, com os tambores. Havia o discurso ecológico - mas o discurso ecológico de barriga vazia, porque é muito bom dizer "salvem as baleias", ou seja lá quem for, de barriga cheia; de barriga vazia você quer comer todos eles que aparecerem na sua frente. Então, a necessidade de tocar tambor e se identificar com sua cultura, não ter dinheiro e pegar na lata, acaba criando um discurso ecológico: recuperar o lixo para encontrar a identidade. Não deixar que esta Terra se torne um lixão. Eu saquei tudo assim, na primeira olhada, chega fiquei arrepiado. Mas como fazer para ajudar? Eu, duro, pobre, negro, sem um centavo, quem vai me dar credibilidade? Aqui na Bahia nós temos muitos projetos feitos por estrangeiros. Ele vê uma coisa muito bonita, escreve para os amigos de lá e cada um dá mil dólares. Todo mundo sabe que ele desceu do primeiro mundo para o terceiro para ajudar. Então até a própria sociedade de classe média baiana ajuda, porque sabe que ele está ali num desprendimento financeiro completo, porque ele desceu do primeiro mundo dele para nos ajudar.

Mas o neguinho, saído dos infernos, ele está é querendo se dar de bem. Qual é a credibilidade, quem vai te dar mil reais, quem vai te dar alguma coisa? Nem a própria comunidade acredita nas suas intenções. Acha ou que você é um homossexual e quer explorar os meninos, ou que você é político e quer se candidatar, ou que você é traficante... mil boatos ao mesmo tempo porque é muito difícil a comunidade acreditar que um dos seus tenha esse pensamento tão nobre, de, no desespero da sobrevivência, ainda poder olhar para o lado.
Pronto, não ia achar dinheiro de ninguém de fora, não ia achar apoio de ninguém de dentro, e os meninos que acreditavam. Então o negócio era tocar. Sentar ali e ajudar, apoiar, conseguir que a paróquia cedesse o espaço (foi o primeiro espaço que conseguimos), e votar um nome. "Bagunçaço" foi escolhido democraticamente. Eu pensava: "é uma bagunça isso aqui, um bagunçaço, é tão bonita essa coisa deles de se organizarem gritando, um xinga aqui, toma ali todo mundo, esse tal de dizer 'eu gosto de você' ao passar a mão na bunda, mandar sua mãe se foder, dizer que seu pai é cachaceiro... quando na verdade ainda não conseguiam dizer 'ah, que legal que estamos aqui juntos, nos defendendo desse mundo inteiro'". Aí sugeri Bagunçaço. Como viram que foi uma proposta minha, os que queriam que eu continuasse, me agradando, disseram: "é, Bagunçaço..." e os outros, mais politizados, disseram: "Não, só porque o cara botou, pegue seu nome e enfie no...". Acabou que ficou, por pouquíssima diferença, vencendo Bagunçaço. Foi o nome dado a essa primeira banda.

Mas, a partir do momento que a gente saiu tocando - e tocamos para todo mundo, esquerda, direita, bastava ter um palco que a gente pedia. Tocamos nos palanques de todos eles e foi muito legal , com o microfone e a lataria fazendo barulho. E os outros que estavam lá embaixo começaram a perceber que a fórmula era fácil: menino de comunidade, tudo pretinho, solto, sem o que fazer, "somos nós!"; lata, um monte aqui ao redor. Eu morava num barraco de madeira e, depois de um tempo, começaram a bater na porta: "não é o senhor que é Pim? Eu sou de lá do Uruguai, você tá ajudando aquela banda, a Bagunçaço, né? Eu sou o maestro da minha banda, o senhor pode me ajudar também?". Eu dizia que a gente tinha que conversar, que não tinha tempo, trabalhava, tinha que manter a família, que era filho mais velho de pai morto... afinal, a minha idéia inicial era ficar ali, com o primeiro grupo, ajudando no que eu pudesse. O primeiro cara perguntou se eu podia conversar na hora, assobiou lá para o canto da rua e vieram uns oito, dez. Sentamos no passeio, eu comecei a explicar o estatuto da criança e do adolescente, que as crianças não podiam apanhar dos pais, essas coisas - na época, estava fazendo um trabalho para o juizado de menores. Daí veio outro grupo, outro grupo. Em pouco tempo, em Massaranduba/Uruguai, nós tínhamos oito grupos de lata.

E como você organizou o pouco tempo que tinha?

Eu tive que largar o primeiro emprego. Minha mãe me botou para fora aí. Disse: "esse menino deve estar emaluquecendo, fica com um monte de menino para cima e para baixo indo tocar lata e não vem ajudar a família". Foi uma briga feia, foi horrível. Aí eu disse: "vai trabalho, vai comida, mas eu tenho que fazer o que eu gosto". Fiquei num trabalho só, no juizado, e vim passar as manhãs com os meninos. Um ano e meio depois disso eu também larguei o juizado e fiquei só tocando lata.

E quando você se deu conta que o grupo Bagunçaço virou o Grupo Cultural Bagunçaço?

Foi uma amiga minha, que trabalhava como assistente social que me chamou atenção para registrar o grupo, logo que eu trabalhava com um monte crianças e não estava amparado legalmente. Aí, na hora de registrar, colocamos o nome da primeira banda. Não parecia sério o nome Bagunçaço, mas o problema todo é que eu nunca tive compromisso com nada. Eu sai daqui. Diferente de um educador de formação, eu vinha com um paradigma novo porque eu não fazia parte dos educadores, nem comunitário nem popular. Era só um jovem que estava me descobrindo educador nesse momento. Então minhas regras eram as regras da necessidade. Era Bagunçaço mesmo. E quantas vezes já riram quando eu dizia "o nome do projeto é Bagunçaço"? Hoje, quando chego em alguns lugares, é sinônimo de coisa bem organizada, que deu certo. O projeto seguiu crescendo, crescendo, e eu fui me formando como educador (porque entrei nessa como um menino que não entendia muito). Fiz um curso de pedagogia popular pelo Movimento Nacional dos Meninos de Rua, e passei a estudar psicologia, antropologia por conta própria, nunca fui à universidade. Me tornei um educador autodidata.

Daí dá para notar que o projeto tem uma via dupla: ele não só fez crescer os jovens, dar-lhes cidadania, mas deu a um simples padeiro dos Alagados a condição de se tornar um intelecto, de conversar sobre psicologia, educação, de viajar. Eu sou o resultado do projeto. Sempre falo que os líderes de comunidade que eu conheço podem falar "eu vou consertar a rua tal", mas entender de fato de políticas públicas da população que ele fala, estudar, ler livros, bater a cabeça, dar um grande salto, é o que é importante. Hoje eu não vou à universidade por opção. O conhecimento tem várias formas de chegar até você. Embora seja uma das pessoas que mais tenta ter relação com a universidade - porque o papel dela é trazer a tecnologia desenvolvida para a comunidade - enquanto pessoa, acho que sempre vou buscar esse conhecimento de forma marginal. Não quero que respeitem o que eu disser porque alguém me deu um diploma. Esse diploma quem me deu foram os meninos do Bagunçaço, a minha mãe que me botou para fora, o padre que me aceitou aqui, o cara da venda que me vendeu fiado, a menina que abriu mão do curso dela por mim. Essa gente que me formou.

Você falou desse grande salto, seu e do Bagunçaço, qual é a idéia que funda o Bagunçaço hoje?

A idéia principal é permitir processos, a médio e longo prazo, de apropriação de conhecimento pela comunidade e manipulação desse conhecimento. Na verdade, o que eu vi na maioria dos projetos é que chegam pessoas nas comunidades com idéias suas, boas ou não, com o pressuposto que aquela formação (ou informação) vai melhorar o meio daquela comunidade. Mas geralmente a pessoa não pergunta à comunidade o que ela quer realmente com a formação. Geralmente os projetos sociais são baseados nisso. Alguém tem uma boa idéia - algumas são realmente maravilhosas - e serve com essa boa idéia a comunidade. A comunidade participa, algumas vezes em um grau muito bom, outras muito reduzido, mas o processo do Bagunçaço é diferente. A comunidade teve uma idéia e essa idéia foi se organizando, a comunidade apropriou-se desse processo de produzir, discutir e aplicar conhecimento. Não existe nenhum antropólogo, pedagogo ou psicólogo que chega aqui e interpreta a nossa linguagem para o mundo. O mundo tem que falar uma linguagem que o Bagunçaço entenda e o Bagunçaço tenta falar uma linguagem que o mundo entenda. A idéia do Bagunçaço é permitir esse processo nas comunidades. É um processo mais lento, mais complicado, mas um processo de verdadeira apropriação do conhecimento e, além disso, da sua aplicação e discussão. Hoje, no Bagunçaço, toda a equipe formada, produtor, secretária, gerente, são os próprios meninos que conheci há nove anos atrás. Todos são os próprios meninos que fizeram 20, 21 anos e assumiram o projeto. Esse projeto hoje é 100% comunidade. Temos colaboração da universidade; temos colaboração estrangeira; temos colaboração da classe média branca baiana; de quem quiser. O importante é que ele conduza aqui dentro um processo de conhecimento que sirva para os que vêm atrás.

Descendo para a prática do grupo, ele começou com os meninos tocando lata, já tem grupo de dança e vários outros estilos ...

É, o Grupo hoje tem grupos de teatro, futebol, caratê, capoeira, artes-plásticas; temos um leque cultural. Até a cultural de milho que queremos fazer aqui é cultural. Mas mantém o foco principal que é articular bandas de latas. A partir da articulação das bandas de latas, tudo pode se relacionar. Um grupo de dança, é claro, pode se relacionar à banda de latas, porque ele dança quando se toca; a informática porque o menino precisa se comunicar com o mundo e entender a questão dele enquanto pessoa. Aí percebe-se que, qualquer ação que se fizer, o mundo se relaciona com ela. E o menino vai tranquilo, sorrindo, dono da própria situação porque ele consegue entender o mundo melhor se é a partir do que ele escolheu como identificação com o mundo.

Existem processos definidos para a produção musical dessas bandas?

Não. Nossa divisão é assim: nós temos quatro grupos que chamamos de sócio-comerciais, que chegaram a um grau de aperfeiçoamento musical que a gente vende esses produtos para manter o projeto. Temos uma dupla sertaneja, Tom e Kel; a banda Dilata Som, que faz mais merengue, salsa, carnaval baiano, com guitarra baixo etc.; a banda PercuCia., que misturou os atabaques com o som de DJs, e tem um americano Orlando Louver, que já concorreu ao Grammy e se encantou com os meninos, vindo dirigir a banda; finalmente, tem a Sucata Mania, porque, como nós somos 31 grupos, tinha-se que criar um grupo que fosse a seleção do Bagunçaço. O Sucata Mania é apoiado por Wilson Café, um percussionista que se voluntariou a estar no Bagunçaço. Então o Sucata Mania é uma seleção mesmo. Temos um show, todo mundo tem direito a ensaios, há os âncoras e um rodízio que seleciona os jovens pelo comportamento, pela musicalidade e pela dança. Assim forma-se o Sucata Mania, com seus 27 componentes. Quase como a seleção brasileira, com todo mundo querendo jogar o máximo para ser escolhido, para sair na escalação. É muito difícil fazer essa escalação.
Essas bandas têm liberdade de compor, trazer composições de fora, mas cada um compõe na sua, arranja um coleguinha para fazer o arranjo e já mostra o negócio pronto. Aqui é uma universidade musical, cada um está tocando numa parede aí, tirando sua música e quando eu vejo já está com guitarra e baixo, já pronto. E leva-se tudo a um festival que tem no final do ano e todo mundo concorre com as suas canções, invenção de novos instrumentos, seja lá o que for.

Nós vamos gravar uma coletânea das quatro bandas em CD. Aliás, estamos criando uma botique para vender CDs, camisetas, bottoms, esse tipo de coisa, na sede. Agora, quanto ao CD, é um desafio nosso. A gente quer ser diferente de fato. Não queremos uma gravadora e, sim, um selo independente, Pode ser até que, a partir desse selo, a gravadora compre, mas não queremos essa história de ir no Faustão porque a gravadora mandou. Isso aqui é um movimento cultural, que tem a sua própria direção. Não é showbusiness. Esse é o grande perigo na música baiana, ninguém sabe diferenciar o que é e o que não é showbusiness. Os meninos, é claro, como meninos ficam encantados com isso, mas também conhecem o outro lado, porque quando cantam não cantam essas coisas. Eles vivem sua vida de menino normal, influenciados por tudo que está aí, mas na hora de reproduzir isso, reproduz de forma própria, que é o importante. Nós discutimos isso aqui. Que o sucesso verdadeiro é a construção da história. Se você levar meu CD, vai saber porque está levando.

E a relação hoje do Bagunçaço com a comunidade, talvez até as comunidades?

Primeiro, o Bagunçaço é tão para dentro, que a comunidade assiste de fora. Ela tem que vir aqui para ver o que é. Com essa comunidade aqui da paróquia, nós temos problemas. Basta ver na frente da paróquia como são as casas e no fundo da paróquia como são as casas. Desse lado, até o fim de linha dos Alagados, vem a demanda do nosso mundo, e do outro lado já existem casas de construção com carro na garagem, um é policial, o outro trabalha no pólo - o pobre que já alcançou certa condição, são pobres classe alta. Aí a percussão já incomoda, porque os filhos dessas pessoas já não estão mais no mesmo nível social dos meninos daqui. É uma falta de solidariedade horrível. Inclusive, já houve reuniões em que foram muito diretos com o padre, dizendo que "não é que não goste, mas esses pivetes vêm para cá....". Lá, na comunidade pobre, em que os meninos não vão para a escola, ficam na rua mesmo, nós chegamos como salvadores da pátria. E só é uma mudança, veja, de menos de 20 metros. A face do lado de cá da rua, e a outra face da rua.

 

 

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