Como você
vê a identidade cultural brasileira, e mais especificamente
a baiana, atualmente?
Acho que o Brasil
se conhece pouco. O que é veiculado nas mídias de
massa é muito pasteurizado, fora as mídias educativas.
Quem tem acesso às TVs a cabo pode perceber a diversidade
cultural, as identidades de cada região do país. Mas
quem não tem, a grande maioria da população
brasileira, vê as mesmas coisas, as manifestações
pasteurizadas - num grande período da história brasileira,
o eixo Rio-São Paulo, nos últimos tempos essa chamada
"música baiana". Não estou questionando
a qualidade deste ou daquele trabalho, mas o fato de ser utilizada
como a única manifestação da Bahia. A difusão
dessas identidades culturais e, portanto, a constatação
da diversidade cultural, é ainda muito precária.
Qual seria
o papel dos artistas nesse contexto?
Precisa haver
uma reflexão maior dos artistas brasileiros, dos baianos
principalmente, no sentido de entender a necessidade de difundir
as manifestações artísticas fora da indústria
cultural. Acho que o artista tem que sobreviver do seu trabalho
sim, ganhar dinheiro, mas não se submeter às regras
do comércio, como está havendo numa escala inacreditável.
Você vende depois da criação. O que acontece
hoje é que as pessoas criam para vender, com a regra do comércio.
Quem viaja pelo Brasil sabe que aqui tem muita coisa boa e que são
produtos passíveis de venda, fora das regras dessa indústria.
Mas existe
público para toda essa diversidade artística?
Público
tem, com certeza absoluta. Acho que a Universidade deveria, teoricamente,
ter um papel fundamental, mas a reflexão está sendo
deixada de lado. Não estou sendo nostálgica, acho
que o tempo muda e evolui, mas tem que ter um equilíbrio
entre as coisas. Do final de 90 para cá, a angústia
tomou conta de muitos artistas no Brasil. Essa angústia é
legal por que é geradora de reflexão e de novas tentativas
para se colocar de novo a qualidade na história. Quando eu
tinha 13, 14 anos, gostava tanto de Maria Callas e Maria Bethânia
quanto de Roberto Carlos. Hoje em dia, eu gosto de Sandy & Júnior,
mas as pessoas têm que conhecer mais. Um exemplo de Salvador
é o Tito Bahiense, na área de música. Se os
artistas não ficarem se vendendo tanto, eu acho que eles
poderão, paradoxalmente, vender mais suas criações,
pois não estarão mais submissos. O que há hoje
é uma submissão absoluta. Nós artistas é
que precisamos criar novos movimentos, para que as coisas possam
ser mais democráticas, inclusive na distribuição
de venda.
Como você
vê essas discussões na área acadêmica,
atualmente? Em que estágio elas se encontram?
Em qualquer
setor, em qualquer nível, eu acho que as discussões
acadêmicas devem voltar para o lugar do afeto. Essa pressão
capitalista do mundo entrou também nas reflexões acadêmicas,
sobre qualquer assunto. Eu acho o máximo invadir o Mc Donald's.
Em certos momentos, tem que ter essas atitudes, por que a coisa
chegou num nível em que fica muito fácil alguém
ser chamado de baderneiro pelos governos, por estar invadindo uma
propriedade privada. Faço parte de um grupo de artistas que
quer atitudes mais veementes, radicais - no sentido de raiz, de
algo que seja plantado de fato, uma discussão mais severa
com nós mesmos. Nem a academia está fazendo isso.
Que autores
e teorias você indicaria, nessa área de arte, cultura,
sociedade?
Acho que Domenico
di Masi fala coisas legais, embora não seja o que me toma
mais. Considero importante o que ele está propondo, pensamentos
e propostas que se aproximam do humanismo, do ser humano, não
dessa coisa que os sistemas tentam nos colocar de pessoas desumanas,
individualistas. Ah! Professor Milton Santos, sempre!! Maravilhoso!
As escolas de 2o grau deviam adotar o pensamento dele, para pelo
menos informar que existe Milton Santos. Ele nem mora mais aqui,
mas existem pessoas anônimas de grandes pensamentos. A Bahia
não vai ficar mais importante se Coppola vier morar aqui.
Os lugares são importantes por que existe o povo do lugar
atuando.
Gostaria
que você destacasse outros grupos representativos do nosso
cenário...
No Brasil tem
um monte de gente que consegue circular em alguns circuitos, mas
que não amplia para outros meios. Tem Antônio Nóbrega
e Homero de Andrade Lima, de Pernambuco. Na Bahia, tem artistas
que estão na indústria cultural e são talentosos,
estão ganhando espaço por que têm trabalhos
consistentes. O teatro baiano, cresceu muito ultimamente, tem atores
excelentes: Nadja Turenko, Rita Assemany, Frank Menezes, Vladimir
Brichta, Wagner Moura, André Elia, Clécia Queiroz...
e grupos, a Via Magia, a Companhia de Teatro Avatar... Se você
tem uma identidade cultural forte, automaticamente acha um lugar
para escoar, por que vai haver um público que quer consumir.
O que há é uma briga de elefante e formiga, a indústria
cultural só elege aquele que vai dar lucro imediato.
Quais são
as suas perspectivas de futuro? Será que está havendo
uma virada, ou não tem mais jeito?
Pelo afeto.
Todas as pessoas que estão tentando virar estão indo
pelo afeto, estão se despindo de suas vaidades, estão
querendo, como nós todos queremos, viver num mundo legal.
Quem tem filho quer deixar um mundo legal pros filhos. Quem acredita
em Deus, num mundo invisível, ótimo, se pega aí.
Os ateus, que às vezes são pessoas até mais
espiritualizadas, também estão preocupadas em ir pelo
afeto, pelo carinho, pelo amor, para o debate não virar um
fim de mundo.
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