"Eu faço teatro-carnaval. A cultura popular brasileira e baiana são ricas, é tudo exuberante. Nós somos tropicais, as coisas são coloridas, as pessoas gritam, se movimentam, falam alto, riem muito, a música tem muitas notas, tem uma sensualidade latente e manifesta. A cultura brasileira é assim, exagerada, destrambelhada.(...) Eu não acredito em identidade cultural, acho que é uma grande farsa criada pelos acadêmicos pra terem poder. A gente tem que ter cuidado, não incorrer no erro de querer explicar tudo, isso é ridículo.(...) Pra mim intelectual é Carmem Miranda e Dorival Caymmi que capturam a fantasia, a imaginação e dão forma a elas."

 

 

 

Paulo Dourado
Professor da Escola de Teatro da UFBA
Diretor Cultural

e-endereço: douradop@ig.com.br


Quando você pensa em montar um espetáculo, o que você quer suscitar no público? Que rotina você segue, normalmente, para produzir?

Na verdade, essa é uma rotina que eu comecei há muitos anos. Parei de estudar teatro várias vezes, parei e voltei, estudei música e trabalhei muito com arte-educação. Eu acho que tudo isso pra mim é um meio. Na verdade eu não sou uma pessoa de teatro, eu não estou nem um pouco interessado em teatro, essa foi uma conclusão à qual eu só pude chegar há poucos anos. Eu estou interessado no que eu posso fazer com teatro, então eu não tenho uma preocupação. Eu acho que mesmo que a pessoa tenha uma preocupação inicial de partir de um programa, ela vai conseguir articula-las num nível muito artificial. A criação não é uma preocupação, a criação é um treinamento quase físico. Como um jogador de futebol tem saudade da bola, um surfista tem saudade da prancha, o criador tem saudade daquilo. Pra mim, desde o início, sempre foi uma necessidade de estar envolvido com a questão da cultura, com a reflexão, com o pensamento, com a expressão, a capacidade de dar forma às coisas. A minha rotina não é uma rotina que eu saiba. Quando você entra nesse mundo, você abre mão de ter controle sobre alguma coisa, não tem controle sobre nada.

Então é uma coisa que vai mudando?

Vai mudando, retransformando-se. Não é uma coisa que a gente saiba. O acaso tem uma contribuição grande. O acaso é aquela força que está atuando dentro da gente e que a gente não conhece. Essa é a força que move o artista, o criador. É você dialogar com forças que estão fora do alcance do cotidiano, da consciência, da lógica de um programa. Eu era um diretor de vanguarda, fazia umas peças muito sofisticadas (pelo menos assim eram consideradas, eu hoje acho tudo uma bobagem). Era aquela coisa pretensamente virtuística mas que não interessa a ninguém. A vida me ensinou que o teatro não é uma coisa morta, as pessoas vêem, se emocionam, se apaixonam.

É uma mensagem que o público entende?

Pode entender, a depender de como é feito. Eu estudava mitologia grega, esoterismo, psicanálise e depois joguei tudo isso no lixo. Isso não interfere necessariamente na criação, no sentido de ser uma grande contribuição ou uma grande perda. O que eu aprendi foi com a vida, fazendo peça. A reação das pessoas me disse algumas coisas que influenciam no meu trabalho hoje, que eu considero como teatro popular. É um teatro para o público e as pessoas torcem parecendo futebol. A minha rotina hoje é buscar uma forma de obra de arte que as pessoas compreendam, que tenha fantasia, que enriqueça o imaginário das pessoas, que tire elas da mesmice do dia a dia, mas que seja simples. Simples não no sentido de banais ou superficiais, o objetivo é romper com lugares-comuns e atingir grandes contingentes de pessoas, criando um teatro que se comunique.

Quais são os espetáculos que você destacaria como os mais importantes da sua carreira?

Paulo Dourado - Nos últimos anos eu decidi ser um diretor baiano. Adotei a frase de Carlos Drummond de Andrade "Cansei se ser eterno, agora quero ser moderno". Em 1981 eu fiz a peça "Ubu Rei", que fala de um cara que faz uma campanha pra ser rei. É uma peça francesa do século 19 e eu fiz uma versão pornô, como uma comédia grotesca. Logo depois eu decidi fazer somente peças baianas. Comecei com um texto de Walter Smetak, chamado "A caverna", que foi muito bem recebido pela crítica mas ainda era um espetáculo muito erudito. Em 87,88 fiz uma peça chamada "Sete pecados capitados", sob influência de Eugênio Barba, diretor italiano criador do conceito de antropologia teatral. Daí avancei várias etapas e depois eu fiz "Los catedrásticos", em 89, por acaso. Foi um espetáculo que eu fiz com um dia de ensaio para apresentar um dia. Nessa época eu tinha inventado uma regra: eu ensaio a quantidade de dias que eu for apresentar. Arranjei um grupo de amigos atores que entraram nessa loucura, ensaiamos um dia e apresentamos em uma greve da Ufba, na Faculdade de Arquitetura. Pra mim era uma brincadeira, achava que aquilo era uma coisa boba porque eu era um erudito. Mas eu vi que as pessoas aplaudiam e gerava polêmica, aí caiu a ficha, eu fui começando a entender que teatro podia ser uma coisa popular. Depois de "Los Catedráticos" eu destacaria também "A conspiração dos alfaiates" e "Canudos: a guerra do sem fim", em que eu busquei a linguagem da tragédia. Depois veio "Lídia de Oxum", uma ópera de Lindemberg Cardoso, que busca a mistura da cultura popular com a música mais erudita e em seguida fiz "Quincas Berro D´água", uma homenagem a Jorge Amado. Na seqüência, o segundo "Los Catedrásticos", que ficou três anos e meio e teve em torno de 130.000 espectadores, e "Rei Brasil", no ano