"Nos jornais só se fala do lado negativo, não se fala dos grupos que se organizam para lutar, das cooperativas, uma série de iniciativas. Não tem espaço na mídia para mostrar que o subúrbio tem coisas boas. "

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Rodando a baiana -
Lista de alguns grupos artísticos e culturais
da comunidade do Subúrbio Ferroviário

 

 

 

 

Silvio Ribeiro
Associação dos Amigos do Parque São Bartolomeu
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Como foi a sua trajetória como pesquisador da cultura do Subúrbio de Salvador?

Foi a partir de 1982, quando ingressei num movimento de jovens ligados à Igreja Católica. Fazíamos grandes encontros, com jovens de várias comunidades. Assim, descobri uma diversidade de grupos culturais, religiosos, ecológicos, políticos. Comecei a discutir a questão do meio ambiente, história e cultura na região do Subúrbio e não parei mais de pesquisar, dar palestras, levar informações a esses grupos que eu conheci. Daí passei a catalogá-los, e hoje já temos um conteúdo vasto sobre a região. São grupos muito diversos, desde o religioso aos jovens que se reúnem por afinidade. Existem grupos ligados às associações de bairros, que têm, há tempos, um trabalho social, devido às reivindicações dos bairros; eles passaram a trabalhar também com jovens, são pontos de convergência. Cito aí a Primeiro de Maio, Novos Alagados, a associação do Vale do Paraguaí, que tem também escola comunitária; tem associações no Lobato, Plataforma... Nos bairros que não têm associações, existem alguns grupos culturais mais fortes. É o caso de Periperi, onde o Ara Ketu, que tinha se afastado da comunidade, a partir de 94 começou a desenvolver um trabalho comunitário, com jovens, na área cultural. Em Fazenda Coutos, um bairro que surgiu com a mudança dos moradores da Paralela, existe o Kaiala, um grupo afro que aglomera vários jovens fazendo percussão, capoeira, dança e teatro.

Que características lhe parecem mais fortes, mais identitárias dessa região?

O Subúrbio tem um papel muito importante na história da cidade, mas a cidade cresceu para o outro lado e restou ao subúrbio a ocupação desordenada. É como se fosse a terceira cidade - tem cidade alta, cidade baixa e periferias. Desse vasto histórico, fazem parte a entrada dos holandeses na Baía de Todos os Santos, as igrejas antigas, as fazendas e até mesmo a expansão industrial que existiu em Plataforma, a linha férrea que fazia o escoamento da produção do interior da Bahia para o cais da Codeba... As populações começaram a ocupar bairros como Periperi, Paripe, Plataforma, São Bartolomeu, Pirajá - onde aconteceu a batalha do Dois de Julho. A ocupação indígena naquela região foi de grande importância. A cidade, muitas vezes, esquece o Subúrbio, que é utilizado pelos políticos apenas como cabide de votos. Então a gente está entrando nessa área educacional para conscientizar as pessoas sobre essa importância histórica e cultural.

E hoje em dia, o que caracteriza essa cultura?

É muito diversificada. Dentro de São Bartolomeu, por exemplo, o rap surge como uma forma de mostrar para a população que ali é um bairro que, apesar da discriminação, tem uma história de resistência do negro. Ali também existem grupos percussivos, uma outra linha, também de resistência, de mostrar a cultura negra. Existe essa diversidade devido também a eles perceberem a ascensão dessas linhas culturais no Brasil e no mundo, como o rap, o reggae. Eu caracterizo como um espaço diversificado de culturas, de formas de resistência, de se mostrar, de falar para o povo. Isso agrada as pessoas, como no caso do Clube de Periperi, onde toda noite tem vários estilos de dança, tem funk, tem música lenta. Os jovens estão lá se divertindo.

No caso dos grupos que não fazem apenas arte, mas buscam também uma relação com a comunidade, como eles se articulam? Como interagem com associações de bairros e com a população em geral?

As associações formam jovens, através desses grupos culturais, para a cidadania. A dança, por exemplo, é uma forma de expressão da cidadania, de auto-estima, para o povo que mora ali e os jovens que freqüentam. A participação desses jovens, pelo que eu percebo, é mais para a diversão, ao invés de assumirem o discurso ético da cidadania, por que é uma forma de convivência naquele espaço. Faltam opções para a diversão, então essa é uma forma muitas vezes mais barata que freqüentar clubes ou ir para o centro da cidade. Antes existiam festas de reis em determinadas comunidades, hoje só tem em Passagem Teixeira, que é um pouco distante do subúrbio. É interessante perceber a mudança de ritmos, de estilos existentes. De 70 para cá, quando começou a se constituir o subúrbio, existiam aquelas formas mais definidas, rituais, hoje não.

Do ponto de vista social, histórico, o que você considera mais relevante?

O que eu identifico são algumas festas que resistem até hoje, como a de Plataforma, a lavagem da Igreja de São Brás, que acontece há muito tempo. Antes existiam as baianas, que iam lá lavar a igreja. Hoje já existe um monte de outras formas: tem pivôs, tem capoeiristas, tem figuras bem interessantes que vão para curtir. A festa se transforma em outra coisa, para as pessoas que não estão ligadas na questão da religião. Em Periperi, tem a de Santa Bárbara, uma procissão. Existe a de São Bartolomeu, dia 24 de agosto, uma manifestação do sincretismo - Bartolomeu é Oxumaré para a religião afro. Todos participam ao mesmo tempo do mesmo espaço cultural. Existia também a festa dos pescadores em Escada, uma grande procissão de barcos. Hoje não existem mais canoas, os pescadores morreram e não passaram essa história para os filhos. Mas algumas festas continuam, com toda a sua diversidade de público freqüentando.

Essa região procura se relacionar com o resto de Salvador e da Bahia? Como eles refletem outras culturas e expandem a deles para outros lugares?

Eu respondo com outra pergunta: você já leu matérias sobre o Subúrbio Ferroviário? Sobre o que elas tratavam? Eu orientei uma amiga que fez uma monografia para a Faculdade de Comunicação, a Gladys. Ela queria evidenciar a parte positiva do subúrbio, a paisagem, os monumentos históricos, o meio ambiente, a arte. Nos jornais só se fala do lado negativo, não se fala dos grupos que se organizam para lutar, das cooperativas, uma série de iniciativas. Não tem espaço na mídia para mostrar que o subúrbio tem coisas boas. A gente tenta, através desse trabalho, mostrar isso para as pessoas que moram lá e para as que vão lá buscar esses conteúdos. Em cada escola que eu vou, deixo uma cópia do que registro, para incentivar os grupos.

 

Existe alguma bibliografia sobre o assunto, que você gostaria de indicar?

Estou lendo o livro "Salvador: cidade repartida", que tem dados sobre a participação dos jovens em comunidades. Tem muitas coisas interessantes, especialmente de Antropologia. Na Pró Reitoria de Extensão, estou procurando saber quem foi fazer estágio em comunidades do subúrbio, que visões essa pessoa teve. A idéia é fazer um site comparando todos esses aspectos, de forma que fique mais fácil as pessoas acessarem, além dos livros. Queremos criar um Centro de Referência da História do Subúrbio, com fotografias, slides, tudo. As escolas iriam para lá, assistir palestras, pesquisar, para depois trabalhar nas salas de aula. Já temos um espaço em Periperi, em parceria com uma igreja. Estamos lançando uma campanha, se você tiver alguma coisa para doar, para relatar, vai lá que a gente bota a câmera e registra.

Apoio:

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