Prof. Dr. Paulo Costa Lima

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Confira também:

A primeira parte desta auto-entrevista.

 

 

 

 

Prof. Dr. Paulo Costa Lima
Coordenador da SBPC Cultural
Pró-Reitor de Extensão da UFBA
Compositor e teórico

 

Continuação da Auto-Entrevista (agora em prosa)

Creio que foi Poincaré quem comentou a impressionante característica desse universo que vivemos, onde por mais que nos desloquemos sempre estaremos no centro. Estamos kantianamente condenados a encontrar os objetos em nossa experiência a partir de nossas próprias coordenadas. Não assusta, portanto, ouvir em Bach o espírito germânico, seja na Chaconne para violino solo (que algumas vezes aparece no mundo virtual do cinema como apetrecho de Sherlock Holmes ou de Einstein, que de fato a tocava), seja nas Suítes para violoncelo solo (executadas instigantemente por Rostropovitch, e amadas, especialmente a n.5, por Ingmar Bergman em Gritos e Sussurros e por Walter Smetak). Mas ouvir em Bach o espírito italiano que o Barroco tardio herda do inicial e da Renascença, ou então ouvir em Bach o Vivaldi que ele certamente admirou, ou ainda, perceber que uma parte do espírito germânico nos serve como definição de brasilidade nas Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos, ou então mais disparatadamente ainda, ouvir o Schönberg que se apresenta em certos trechos dos últimos quartetos de Beethoven, lá isso é prova de que a música favorece tanto a manifestação dessa centricidade que podemos apelidar de identidade (individual, nacional, universal), quanto a troca incessante de perspectivas, a intertextualidade febril quase promíscua. Essa ambigüidade que a música oferece "essa indistinção do 'meu' e do 'seu', em que o sujeito não sabe mais se ele é agente ou agido" (Cf. Didier Weil), de poder ser uma mirada, um ponto de vista, ou então o ponto de vista de um ponto de vista, incita os compositores a trabalharem com dogmas, como já dizia Stravinsky na Poética da Música, que aliás inspirou os compositores baianos mais do que se imagina (Widmer e Jamary especialmente), porque sem os dogmas pra onde vai a liberdade? O dogma alemão, Beethoven inscreveu numa de suas últimas partituras, Müss es sein? Es sein müssen [algo como "É necessário? Sim, é necessário...]. Trata-se de uma espécie de superego cultural, um nível supra individual, uma lógica que se impõe à criação, ou melhor, que a própria criação impõe a si mesmo, uma evidência nada desprezível de que a fala freudiana sobre a renúncia instintual germânica (uma antiga revolta contra a cristianização dos bárbaros que eclode no nazismo) pode fazer sentido, e que Widmer gozava dizendo que "quando um alemão ouve falar em cultura bate continência" sendo tudo isso, ao mesmo tempo, um contraponto estrito com aquilo que poderíamos inventar como um dogma brasileiro, e que forçando um pouco a barra do Carnegie Hall e de seus freqüentadores, quando lá estive em 1996, eu disse que seria "o samba não pode parar", ou então aquela pérola de personificação que Ataulfo Alves cantava antigamente "eu sou o samba". Logo após minha breve fala, uma pessoa da platéia me interpelou dizendo que o grande compositor Elliot Carter havia afirmado ali mesmo que toda repetição (em música) é fascista, algo que me increspou (haja vista o samba, o batuque ...) e que me levou a retrucar raciocinando que se alguém se obriga a não repetir nada numa música, então esse alguém está repetindo impiedosamente a taxa de variação dos eventos, ou seja, se a música repete certas coisas ela contribui para a diversidade dessa taxa de variação, essa flutuação entre informação nova e velha, o radical que não repete seria fascista da mesma forma... (Que caminhos esdrúxulos para uma conversa sobre música e identidade no centro de New York, mas a culpa foi desse ouvinte). Logo após o concerto, o eminente compositor George Perle dizia não concordar que o Choros n. 8 de Villa-Lobos fosse um primor de coerência musical, ao passo que o etnomusicólogo Gerard Béhague, vermelho de raiva, ironizava a incapacidade de entender o tipo especial de lógica que o nosso brasileiro construiu com aquela obra prima.

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